Da melancolia em Camilo
DOI:
https://doi.org/10.17851/2359-0076.43.75.186-208Palabras clave:
Camilo Castelo Branco, Melancolia, Sátira, Reflexividade, EmpatiaResumen
Procedendo da leitura de Coração, cabeça e estômago, propomos abordar o modo como Camilo Castelo Branco integra perspetivas médicas, filosóficas e literárias sobre a melancolia. Veremos como tal condição, que remete ao âmago da autoafeção humana, surge em diversos de seus textos não apenas como observação fisiológica da melancolia, assim reduzida à sua dimensão pática, mas como suporte de um posicionamento satírico e crítico que antecipa temas literários da segunda metade do século XIX. A observação melancólica de Camilo está dependente de um realismo frugal na expressão que só é possível num posicionamento de limiar capaz de ler os limites da comédia humana – a vulnerabilidade, o sofrimento e a morte – à luz das assimetrias e clivagens que marcam o seu tempo. O desgosto amoroso, indissociável do tentacular calculismo das alianças tem como contraponto uma esquemática resignação e comodismo, cuja consistência revela o seu embasamento na vivência traumática de Camilo. Atendendo ao temperamento do romancista, indiciado em vários textos de cariz biográfico e em relatos de contemporâneos, salientamos ainda o modo como a sua adoção de um olhar melancólico se concretiza numa poética do afeto.
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