Das “virtuosas parvoiçadas” à problematicidade
A queda dum anjo e a tradição filosófica de crítica ao teatro
DOI:
https://doi.org/10.17851/2359-0076.43.75.170-185Schlagwörter:
Camilo Castelo Branco, A Queda dum Anjo , Estética, Moral, Estética do TeatroAbstract
A natureza e o valor do teatro têm sido objecto de debate filosófico desde a Antiguidade, estando no centro das reflexões estéticas que fundamentaram desenvolvimentos cruciais na história da estética. Entre os seus primeiros críticos destaca-se Platão, cuja severidade em relação à tragédia advinha de duas razões principais: por um lado, a representação de deuses e heróis moralmente imperfeitos oferece maus exemplos ao público; por outro, a tragédia desestabiliza emocionalmente o indivíduo, afastando-o do ideal racional de autodomínio. Rousseau retoma estas críticas, acrescentando-lhes um novo ponto: o teatro, ao contrário do que se supõe, não mobiliza, mas antes contribui para a inacção e o enfraquecimento do laço comunitário. No romance A Queda dum Anjo, de Camilo Castelo Branco, o protagonista Calisto Elói apresenta um discurso crítico do teatro que se inscreve nesta tradição, alinhando-se em diversos aspectos com os argumentos de Platão e de Rousseau. Neste artigo, explora-se esse discurso em três níveis: primeiro, apresentam-se os principais argumentos de Calisto Elói; em segundo lugar, comparam-se esses argumentos com os de Platão, Rousseau e com as críticas epistemológicas à arte formuladas pelo filósofo contemporâneo Noël Carroll; por fim, mostra-se como o discurso de Calisto, em articulação com o contexto narrativo e estético do romance camiliano em que é proferido, contribui para uma densificação da reflexão sobre o valor do teatro, não por meio de um argumentário filosófico explícito, mas através de recursos especificamente artísticos e literários.
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