[Encerrada] - Literatura marginal das periferias: escritas, corpos e territórios em resistência
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É muito importante que a arte, a literatura, produzidas nos grandes centros urbanos e econômicos, sejam acessíveis também para os habitantes das periferias. Afinal, como defendeu Antonio Candido em O direito à literatura (1995), ela é um bem essencial à vida. Expandindo esse pensamento, depreende-se que não apenas a leitura literária possui essa relevância, como também a escrita. Numa contemporaneidade em que a poesia não cessa de dar seus passos de prosa em direção ao real (Marcos Siscar, 2015), é urgente que as produções de sujeitos marginalizados, historicamente invisibilizadas, sejam valorizadas e respeitadas, nos centros e nas “quebradas”, democratizando a literatura em todas as suas formas e abrindo mais e mais espaços para múltiplas vozes e perspectivas.
O termo “literatura marginal”, usado pela primeira vez no Brasil nos anos 1970, por poetas da geração mimeógrafo, foi ressignificado pelo escritor periférico Ferréz, quando, ao organizar a trilogia de uma edição especial da Revista Caros Amigos, intitulada Literatura Marginal (2000, 2002, 2004), reuniu diversos poetas das periferias apresentando-os como “escritores marginais”. Outro nome fundamental na popularização da expressão é o de Sérgio Vaz, escritor e poeta que fundou, em 2001, no Capão Redondo, região periférica de São Paulo, o Sarau da Cooperifa, inspirando inúmeros outros saraus similares pelo país. Esse movimento ressignificou o uso da palavra “sarau”, ao retirar dela as acepções elitistas que geralmente a acompanhavam, sacralizando-a como um “termo duplo”, inquebrantável: sarau de periferia. Tendo como palco principal o espaço do bar, em diferentes regiões periféricas Brasil afora, e apresentando-se como um corpo coletivo composto por múltiplas vozes, ano após ano o movimento possibilitou a incontáveis sujeitos excluídos e marginalizados a centelha necessária para reconhecerem em si o escritor ou a escritora que sempre foram.
Quando, em 2008, através de Roberta Estrela D’alva e do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, o poetry slam cruzou a fronteira dos EUA para se reinventar em terras brasileiras, a poesia marginal da periferia (Lucía Tennina, 2017) ganhou mais esse importante meio de expressão, circulação e resistência. Ao longo dos anos, os slams se espalharam por nosso país e pelo mundo, com características diversas e trazendo muitas expansões, como a criação de slams específicos para pessoas surdas, de campeonatos com recorte de gênero ou mesmo do Slam Interescolar, que se propõe a ser um trabalho de base, levando o movimento “das ruas para as escolas, das escolas para as ruas”.
Além disso, também a prosa marginal da periferia, circulando geralmente por meio de publicações independentes ou de pequenas editoras, foi conquistando espaços importantes e modificando o cenário literário do país, alcançando prêmios de prestígio, acessando grandes editoras, ganhando espaço na mídia e passando a ser foco de diferentes estudos acadêmicos. Entre os autores de maior destaque, estão nomes como Alessandro Buzo, Allan da Rosa, Sacolinha – vulgo de Ademiro Alves – Ferréz e Sérgio Vaz. Aos poucos, a literatura marginal-periférica (Érica Peçanha do Nascimento, 2009), insistentemente excluída dos grandes círculos literários, vem conquistando novos espaços, enquanto fortalece seus meios próprios de produção e circulação, seja através da poesia falada no sarau e no slam, dos zines produzidos artesanalmente ou dos livros publicados em editoras fundadas pelos próprios(as) artistas periféricos(as).
Pese os avanços da literatura marginal da periferia, muito ainda precisa ser feito para que seu reconhecimento e sua valorização sejam efetivos. Nesse sentido, também a construção de conhecimento por meio de pesquisas acadêmicas e científicas é de grande relevância. Mas, lamentavelmente, as portas da academia nem sempre estão ou estiveram abertas para se pensar essa literatura. Por isso, é importante que cada vez mais estudos se dediquem às produções literárias de artistas periféricos(as), o que inclui, essencialmente, contribuições de pesquisadores(as) oriundos(as) dessas regiões. Para que isso seja possível, é imprescindível a abertura de caminhos de discussão sobre o assunto.
Portanto, visando contribuir na amplificação do debate em torno da literatura marginal-periférica, este dossiê propõe uma discussão crítica sobre tais produções, em prosa ou em verso, publicadas em livros, zines e/ou expressas nas performances de poesia falada em saraus e slams. Espera-se receber trabalhos que abordem os mais diversos assuntos, como os aspectos estéticos dessas produções, seu lugar na contemporaneidade, as tensões e conexões entre a escrita e a expressão incorporada, suas condições de produção e circulação, as relações que estabelecem com a cidade, seus processos educativos, de resistência, traços de decolonialidade e a noção de comunidade, composta por singularidades que se comunicam e se retroalimentam sem se unificar (Jean-Luc Nancy, 2006; Giorgio Agamben, 1993), dentre muitas outras possibilidades de reflexão e estudo. Tudo isso pensado desde as mais variadas perspectivas, tendo em vista questões de classe, raça, gênero, orientação sexual e inúmeras outras especificidades – inclusive, interseccionadas.
Bibliografia:
AGAMBEN, Giorgio. Comunidade que vem. Tradução de António Guerreiro. Lisboa: Editorial Presença, 1993.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários Escritos. São. Paulo: Duas Cidades, 1995.
COELHO, Rogério. As afrografias e suas ressonâncias nas performances de poesia falada no slam. Tese, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/65959. Acesso em: 20 jan. 2025.
NACIMENTO, Roberta Marques. Vocigrafias. Tese, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2019. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/23073. Acesso em: 21 mai. 2025.
NANCY, Jean-Luc. Ser singular plural. Tradução de Antonio Tudela Sancho. Madrid: Arena Libros, 2006.
PEÇANHA DO NASCIMENTO, Érica. Vozes marginais na literatura. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009.
SILVA, Bruna Stéphane Oliveira Mendes da. A voz e a vez das mulheres no slam: poesia, performance e resistência. Tese, Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2024. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/79777 Acesso em: 21 mai. 2025.
SISCAR, Marcos. Figuras de prosa: a ideia da "prosa" como questão de poesia. 2015. Disponível em: https://www.academia.edu/20406254/Figuras_de_prosa_a_ideia_da_prosa_como_quest%C3%A3o_de_poesia. Acesso em: 11 jul. 2020
TENNINA, Lucía. Cuidado com os poetas! Literatura e periferia na cidade de São Paulo. Tradução de Ary Pimentel. Porto Alegre, RS: Zouk, 2017.
[Prorrogado] Novo prazo de envio das submissões: 30/09/2025.



