Das figuras da memória que não embranqueceram na Água de Barrela
uma análise do romance histórico de Eliana Alves Cruz
DOI:
https://doi.org/10.17851/1982-0739.29.1.103-119Palavras-chave:
Água de Barrela, Memória, Literatura Afro-brasileiraResumo
Este trabalho analisa o romance Água de Barrela, de Eliana Alves Cruz, a partir do viés memorialista e histórico. No romance, memória histórica e ficção se entremeiam por tratar-se de uma ficção sobre a família de Eliana Alves Cruz, em uma pesquisa de desenvolvida pela própria para reconstruir sua árvore genealógica. O enredo tem início com os personagens Akin Sangokule e sua cunhada grávida Ewà Oluwa, sequestrados do continente africano para serem escravizados nas terras brasileiras, na região da cidade de Cachoeira, na Bahia. Ewà gera Anolina, a primeira de muitas mulheres lavadeiras da família, que garantem nesse trabalho subalterno a vida das suas gerações futuras. Assim, a narrativa prossegue contando a história de cada geração dos personagens. Este artigo fundamenta-se nas teorias de Ricoeur (2007), Le Goff (1996), Duarte (2014), Halbwachs (2006), Bâ Hampâté (2010) e Evaristo (2017), dentre outros, conectando teorias próprias do campo da Memória e da Literatura Afro-Brasileira. Parte-se da relação entre memória e ancestralidade para compor a análise, principalmente a partir das recordações dos personagens, a exemplo, as rememorações de Damiana, tia Nunu, Akin Sangokule e Martha, bem como o simbolismo de objetos afro-brasileiros, tais como, o berimbau, o atabaque, os fios de contas, usados atualmente pelo povo de santo, pertencentes às religiões de matrizes africanas no Brasil, dentre outros objetos portadores de memória afro-diaspórica. Portanto, considera-se que a obra Água de Barrela se constitui em uma narrativa combativa por quebrar paradigmas do discurso da história oficial, quando evidencia, por meio da ficção, a memória de antepassados (confirmada por dados históricos) e subverte a ideia de passividade dos povos afro-diaspóricos.
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