A literatura indígena como crítica da modernidade
sobre xamanismo, normatividade e universalismo – notas desde A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert
DOI:
https://doi.org/10.17851/2358-9787.26.3.129-156Palavras-chave:
modernidade, xamanismo, diferença, normatividade, crítica, universalismo.Resumo
Este texto realiza uma discussão entre literatura e filosofia-sociologia com base na correlação entre o paradigma normativo da modernidade, na versão de Weber e de Habermas, e a posição xamânica de Davi Kopenawa, com o intuito de refletir sobre os conceitos de crítica, emancipação e universalismo. A razão de tal discussão é bem direta: o paradigma normativo da modernidade fala do xamanismo como antípoda da racionalização, ao passo que, no caso de Davi Kopenawa, o xamanismo é exatamente uma voz-práxis crítica da modernidade. No mesmo sentido, o paradigma normativo da modernidade defende que a crítica, a reflexividade, a emancipação e o universalismo somente são possíveis por meio desse mesmo paradigma, em suas características de formalização, neutralidade, imparcialidade e impessoalidade. Em contrapartida, no xamanismo explicitado e representado por Davi Kopenawa, é possível perceber-se que a crítica, a reflexividade e a emancipação são dadas e viabilizadas exatamente pela vinculação sociocultural e pela pertença antropológico-ontológica – o xamanismo é crítico da modernidade como xamanismo, desde si mesmo. Com base nessa discussão, o artigo argumentará que, no caso das minorias, é somente por meio de sua voz-práxis como diferenças e a partir de sua singularidade que a sua reafirmação e a sua consequente crítica à modernidade são possíveis. É questão de vida e de morte, portanto, para essas mesmas minorias, assumir-se, constituir-se e dinamizar-se como minorias. Para isso, a literatura, em sua estrutura antiparadigmática e antiformalista, muito mais do que o racionalismo científico, pode servir como voz-práxis das diferenças, por elas, para elas.
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