“Eu sou o meu perfume”

os fantasmas do Surrealismo e os vapores histéricos em Clarice Lispector

Autores/as

Palabras clave:

Clarice Lispector, Surrealismo, histeria, fantasma

Resumen

A partir da presença, sobretudo no Primeiro Manifesto do Surrealismo, dos fantasmas femininos em movimento, convertidos em uma força ou pulsão erótica de criação poética, e encarnados em figuras errantes e inapreensíveis como Nadja ou mesmo a Elisa, de Arcano 17, passando pela inscrição e, sobretudo, a decomposição do movimento de tais enigmas moventes ou fluxos de desejo nas cronofotografias do inventor francês Étienne-Jules Marey, este artigo, de perfil ensaístico, tem como objetivo, valendo-se do método da montagem e da sugestão, construir uma relação entre os vaporosos fantasmas do Surrealismo, e mesmo aqueles que escapam das curvas e “caudas visuais” de Marey, e o perfume enquanto um modo de intensificação da existência, tal como ele aparece em alguns textos de Clarice Lispector, a guardar um segredo inviolável ligado ao feminino e sua sedução de morte. Essa relação passa pela imagem das histéricas, aqui resgatadas, também chamadas de “vaporosas” no século XVIII. A mudança de paradigma em relação à histeria, vista não mais como uma patologia, mas como um “meio supremo de expressão”, conforme os surrealistas e seus comentaristas a conceberam, deslocando-a para a esfera artística e literária, é decisiva para traçar, ou melhor, esfumaçar os contornos de nossa conclusão que reconhece na ambígua Lóri, e mesmo em outras personagens claricianas, uma histérica a evocar a beleza explosiva-fixa de Nadja, fazendo-se rainha egípcia perfumada, anacrônica vaporosa a se confundir com o seu perfume, inebriando-nos com o mistério da sua dor, mas também do seu voo para além da morte.

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Publicado

2024-10-07