Canibalismo, uma questão de gosto
representações antropofágicas nas cartas e tratados sobre os índios brasileiros no século XVI
DOI:
https://doi.org/10.17851/2358-9787.27.1.205-232Palavras-chave:
antropofagia, digestão, narratividade, índios, epistolografia.Resumo
Resumo: Reconstituindo o campo semântico da antropofagia, tal como ele emerge na correspondência e nos tratados dos europeus sobre os índios produzidos no século XVI, seria possível se perguntar sobre as consequências de se adotar um outro eixo de interpretação, não mais apenas simbólico – como fizeram, frequentemente, antropólogos e poetas – mas também narrativo. Dito de outro modo, este artigo tenta explorar um campo não tão frequentemente visitado pelos historiadores e críticos literários e procura mostrar que os aspectos ingestivos, mastigativos e digestivos, envolvidos na narração mesma sobre o canibalismo indígena, funcionam segundo uma lógica própria e revelam uma economia da relação identidade-alteridade ainda não debatida suficientemente.
Palavras-chave: antropofagia; digestão; narratividade; índios; epistolografia.
Abstract:By reconstructing the Anthropophagic semantic field as it emerged in the European correspondence and treatises on Brazilian indigenous populations in the 16th century it would be possible to question the consequences of adopting another axis of interpretation, no longer merely symbolical – as anthropologists and poets often did – but also a narrative one. In other words, this paper intends to explore a field not often approached by historians and literary critics and tries to discuss the digestive, chewed and ingestive issues, which are present in the narration of indigenous cannibalism. Such issues follow a specific logic, revealing gaps in the discussion of the identity-alterity relationship.
Keywords: anthropophagy; digestion; narrativity; Brazilian indigenous people; epistolography.
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