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VOLUME 14 2024 ISSN: 2237-5864
Atribuição CC BY 4.0 Internacional Acesso Livre |
DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.51070
SEÇÃO: ARTIGOs
Docência e formação continuada no ensino superior: experiências em uma universidade federal no Brasil
Docencia y formación continua en la educación superior: experiencias en una universidad federal de Brasil
Teaching and continuing training of teachers in higher education: experiences at a Brazilian federal university
Michelha Vaz Pedrosa 1 , Josiléia Curty de Oliveira 2 ,
Isabella Vilhena Freire Martins 3
RESUMO
Este artigo se insere no âmbito das discussões acerca da docência e da formação de professores no ensino superior. Ele relata a experiência de formação continuada de professores em uma universidade federal no Sudeste do Brasil, partindo do seguinte questionamento: como promover uma formação contínua que atenda às reais necessidades dos docentes do ensino superior? Metodologicamente, trata-se de um estudo qualitativo, do tipo relato de experiência, com o objetivo de socializar ações formativas promovidas para docentes universitários no período de 2018 a 2024 . A discussão está ancorada em Masetto (2008), Masetto e Gaeta (2019), Imbernón (2012, 2022), Nóvoa (1992, 1997, 2017, 2023), dentre outros autores. Os resultados mostraram que a formação continuada em serviço proporcionou aos docentes espaços de socialização profissional por meio de diferentes atividades (grupo de estudos, palestras, minicursos e oficinas), consolidando comprometimento, coletividade e troca de experiências. Destaca-se, principalmente, a criação de um espaço de discussão acerca da docência universitária, possibilitando o estudo e o debate de temas apontados pelos próprios professores do campus como relevantes para a prática docente. Como conclusão, ressalta-se o surgimento de uma nova cultura de formação de professores na instituição em estudo. Essa ação fortalece a implementação de formação continuada institucionalizada no ensino superior, com o propósito de ressignificar os saberes e as práticas docentes, contribuindo também para o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores universitários.
Palavras-chave: docência; ensino superior; formação continuada.
RESUMEN
Este artículo se enmarca en las discusiones sobre docencia y formación docente en la educación superior. Relata la experiencia de formación continua de docentes en una universidad federal del Sudeste de Brasil, a partir de la siguiente pregunta: ¿Cómo promover una formación continua que atienda a las necesidades reales de los docentes de educación superior? Metodológicamente, se trata de un estudio cualitativo, del tipo relato de experiencia, con el objetivo de socializar las acciones de formación impulsadas para docentes universitarios en el período de 2018 a 2024. La discusión está anclada en Masetto (2008), Masetto y Gaeta (2019) Imbernón (2012, 2022), Nóvoa (1992, 1997, 2017, 2023), entre otros autores. Los resultados mostraron que la formación continua en servicio brindó a los docentes espacios de socialización profesional a través de diferentes actividades (grupos de estudio, conferencias, cursos cortos y talleres), consolidando el compromiso, la colectividad y el intercambio de experiencias. Destaca especialmente la creación de un espacio de discusión sobre la docencia universitaria, que permita el estudio y debate de temas identificados por los propios docentes del campus como relevantes para la práctica docente. En conclusión, se destaca el surgimiento de una nueva cultura de formación docente en la institución objeto de estudio. Esta acción fortalece la implementación de la educación continua institucionalizada en la educación superior, con el propósito de resignificar los conocimientos y prácticas docentes, contribuyendo al desarrollo personal y profesional de los docentes universitarios.
Palabras clave: enseñanza; enseñanza superior; educación continua.
ABSTRACT
This article falls within the scope of discussions about teaching and teacher training in higher education. It reports the experience of continuing teacher training at a federal university in Southeast Brazil, based on the following question: how to promote continuous training that meets the real needs of higher education teachers? Methodologically, this is a qualitative study, an experience report, with the objective of socializing training actions promoted for university teachers in the period from 2018 to 2024. The discussion is anchored in Masetto (2008), Masetto and Gaeta (2019), Imbernón (2012, 2022) and Nóvoa (1992, 1997, 2017, 2023), among other authors. The results showed that continued in-service training provided teachers with spaces for professional socialization through different activities (study groups, lectures, short courses, and workshops), consolidating commitment, collectivity and exchange of experiences. Particularly noteworthy is the creation of a space for discussion about university teaching, enabling the study and debate topics identified by the campus professors themselves as relevant to teaching practice. In conclusion, the emergence of a new culture of teacher training in the institution under study stands out. This action strengthens the implementation of institutionalized continuing education in higher education, with the purpose of giving new meaning to teaching knowledge and practices, contributing to the personal and professional development of university professors.
Keywords: teaching; higher education; continuing education.
INTRODUÇÃO
Pesquisas e debates acerca da necessidade de formação específica para a docência no ensino superior vêm, gradativamente, ganhando destaque. A diversidade cada vez maior de estudantes, bem como o avanço da tecnologia, dentre outros fatores, intensifica o desafio do professor, que precisa buscar com mais afinco por uma formação que o auxilie na manutenção do ensino de qualidade com aprendizagem significativa dos estudantes (Imbernón, 2012, 2022; Cotta, 2023; Demo, 2023).
A formação do professor do ensino superior é restrita às bases das quais tratam os artigos 66 e 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº. 9394/96 (Brasil, 1996). Porém, a legislação não prevê de que forma deverá ser organizada a formação de aperfeiçoamento profissional continuado desse professor. As instituições de ensino superior são orientadas a elaborar um plano de desenvolvimento pessoal para técnico-administrativos e docentes (Brasil, 2006), mas não de formação continuada. São recorrentes os termos capacitação, aperfeiçoamento e qualificação, mas as legislações pouco utilizam o termo formação, o que traz um caráter mercantilista para a educação superior (Nóvoa, 2023).
As discussões sobre a docência e a formação continuada de professores do ensino superior são emergentes. Muitos estudos destacam a importância da formação continuada institucionalizada e questionam de quem seria a responsabilidade pela formação permanente dos professores universitários (Cunha, 2008; Lupia; Capecchi, 2023; Masetto, 2008; Masetto; Gaeta, 2019; Nóvoa, 2023). Este relato de experiência destaca a importância de ações de formação continuada para esses profissionais, focadas na relevância do desenvolvimento profissional e de processos auto e inter formativos para o campo de formação de professores no ensino superior.
As instituições de ensino superior organizam e implementam ações como projetos e programas, entretanto, é evidente a insuficiência de políticas públicas de formação continuada para o docente desse nível de ensino. Assim, esse estudo foi motivado pelo seguinte questionamento: como promover uma formação continuada que atenda às reais necessidades dos docentes do ensino superior? Para tanto, é importante assegurar que a formação contínua desse profissional seja em serviço e contemple a preparação pedagógica, a concepção e a gestão do currículo, as relações professor-aluno e aluno-aluno e o domínio da tecnologia educacional (Masetto, 2008; Masetto; Gaeta, 2019).
Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa (Lüdke; André, 1986; Zanette, 2017), do tipo relato de experiência, com o objetivo de socializar as ações formativas realizadas com docentes universitários a partir de um projeto de extensão em uma universidade federal no Sudeste do Brasil, considerando a motivação, o planejamento, a execução e a avaliação da formação continuada em diálogo com os conceitos de docência universitária e formação continuada no ensino superior, com base em Masetto (2008), Masetto e Gaeta (2019), Imbernón (2012, 2022), Nóvoa (1992, 1997, 2017, 2023).
Neste artigo, além desta introdução, a primeira seção aborda os conceitos de docência e formação continuada no ensino superior. A segunda seção detalha a metodologia, a terceira descreve as ações de formação contínua de 2018 a 2024, a quarta discute as percepções dos docentes e a legitimidade desse espaço formativo, e, por último, há as considerações finais.
A DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR E A FORMAÇÃO CONTINUADA
A docência é aqui entendida como uma atividade profissional que requer conhecimentos e habilidades específicas para desempenhar suas funções. Segundo Zabalza (2004, p. 110), “o ensino é uma atividade que requer conhecimentos específicos, formação ad hoc e reciclagem permanente (em conteúdos e metodologias)”. A tarefa de educar requer necessariamente um agir e refletir constante. Cunha (2011, p. 81) afirma que “[…] é fazendo a docência e refletindo sobre este fazer que realmente se aprende a ser professor”.
No entanto, no Brasil, para ser professor do ensino superior não é obrigatória uma formação específica em docência. É exigido apenas que os candidatos ao cargo possuam pós-graduação de nível stricto sensu (mestrado e/ou doutorado) na área de atuação, com base na LDB, Lei nº 9394/96 (Brasil, 1996). Tal fato reflete uma concepção histórica de que para ensinar basta ter domínio do conteúdo. Entretanto, não é o que a prática tem apontado. Segundo Imbernón (2012), a capacidade docente não deve se basear apenas no conhecimento técnico, mas em planejar e gerir o ensino-aprendizagem, levando à transformação social dos estudantes.
Nóvoa et al. (2023, p. 4-5) afirmam que, para criar melhores condições pedagógicas, é essencial que os professores reconheçam a centralidade da docência, sem diminuir outras dimensões universitárias, como a pesquisa. Nesse sentido, os autores destacam a importância de os docentes universitários reconhecerem a centralidade do papel de ensinar. Uma preocupação destacada por eles é a de que, no ensino superior, temos um desafio a mais: “o não reconhecimento de si como professor”.
Conforme ilustra Lupia e Capecchi (2023), o professor universitário, ao ingressar na carreira docente, conta com pouca ou mesmo nenhuma formação pedagógica. Em sua maioria, são bacharéis oriundos de programas de pós-graduação, especializados em sua área de pesquisa, mas que, ao adentrarem a realidade da sala de aula, enfrentam desafios para lidar com a prática de ensino. Mesmo o licenciado “trará consigo um desempenho desarticulado das funções e objetivos da educação superior” (Pimenta; Anastasiou, 2014, p. 105). Na tentativa de acertar, às vezes, replicam a prática de seus professores e nem sempre alcançam o êxito necessário.
Ser professor do ensino superior torna-se uma tarefa cada vez mais exigente, pois envolve atividades de ensino, pesquisa, extensão e administrativas. Além de dominar uma determinada área do conhecimento, o docente precisa manter um bom relacionamento com os estudantes e com as novas técnicas pedagógicas (Cunha, 2011 ); que motive e esteja aberto à inovação (Braathen, 2014); e utilize recursos tecnológicos educacionais (Masetto, 2008; Masetto; Gaeta, 2019), incluindo dinâmicas de grupo e também de avaliação (Cotta, 2023; Imbernón, 2012, 2022).
A formação continuada dos professores do ensino superior é essencial para seu desenvolvimento pessoal e profissional, complementando a formação inicial. Segundo Imbernón (2012), ser professor é uma tarefa inacabada, em constante elaboração e reflexão, tornando a formação docente um processo contínuo.
Masetto e Gaeta (2019) destacam que a pedagogia universitária e a formação pedagógica de professores do ensino superior enfrentam desafios que apontam para a necessidade de inovação nos espaços de aprendizagem. Esses desafios incluem atender às novas necessidades dos estudantes, adaptar-se a novos campos de formação profissional e acompanhar os avanços das ciências tecnológicas. Isso exigirá que os docentes adotem novas posturas, valores e estejam abertos a um processo contínuo de formação.
A formação continuada é central na vida profissional docente, segundo Nóvoa (2023). Ele afirma que a formação de um profissional não se limita à aquisição de determinados conhecimentos ou competências, implica também vivências, interações, dinâmicas de socialização, a apropriação de uma cultura e de um ethos profissional” (p. 73). Para ele, a docência é complexa e requer um trabalho colaborativo cada vez mais coletivo. No ensino superior, esse desafio é maior devido à diversidade de áreas e à tendência
Para tanto, aponta-se para a necessidade de espaços de reflexão e troca de experiências, em que os docentes possam refletir permanentemente sobre suas práticas pedagógicas em sala de aula. Segundo Nóvoa (1997, p. 26), “[…] a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando”.
A universidade é identificada como sendo esse espaço de formação docente, até mesmo pelas prerrogativas legais que possui. No entanto, faz-se necessário, primeiramente, a existência, nas instituições de ensino superior, de espaços destinados à formação dos seus professores (Cunha, 2008). Sobre proporcionar espaços de socialização e formação profissional docente no ensino superior, Imbernón considera que
Facilitar esses espaços de reflexão, participação e formação é a função imprescindível da formação em docência universitária. Mais que assumir uma função de atualização pedagógica do professorado universitário, a formação em docência universitária deveria assumir essa criação de espaços (Imbernón, 2012, p. 115).
É nesse sentido que têm surgido projetos e programas de formação continuada do docente de ensino superior. Entretanto, quando se trata de espaços que propiciem a formação continuada, são muitos os desafios e tensões, visto que nem sempre há apoio institucional ou financeiro para se desenvolver programas de formação contínua em serviço que atendam às necessidades dos docentes. Por isso, compartilha-se neste relato de experiência como a formação continuada em serviço pode emergir em um campus universitário interiorano.
O PERCURSO METODOLÓGICO
Metodologicamente, adotou-se a pesquisa qualitativa em educação (Lüdke; André, 1986; Zanette, 2017), do tipo relato de experiência, com o objetivo de socializar as ações formativas realizadas com docentes universitários em uma universidade federal no Sudeste do Brasil, no período de 2018 a 2024, considerando a motivação, o planejamento, a execução e a avaliação dessas formações.
Este estudo surgiu da iniciativa de socializar as experiências vivenciadas a partir das ações de formação continuada de professores do ensino superior de um dos campi de uma universidade federal no Sudeste do Brasil. Tais ações foram iniciadas por meio de um projeto de extensão desenvolvido entre os anos de 2018 e 2020, que teve continuidade a partir de grupos de estudos, em 2022, após o período pandêmico.
As ações de formação continuada de professores universitários consistiram na obtenção de dados por meio do contato direto dos pesquisadores com a situação estudada. Dessa forma, o corpus desta pesquisa constituiu-se da observação direta, com anotações no caderno de campo, e de aplicação de questionários aos participantes com o objetivo de coletar informações antes e após a realização dos encontros de formação do Grupo de Estudo sobre Docência no Ensino Superior (GEDES).
Uma das principais características da pesquisa qualitativa é a coleta de dados por meio da interação direta do pesquisador com o fenômeno em questão, o que implica certo grau de subjetividade (Lüdke; André, 1986; Zanette, 2017). Ela responde a questões muito particulares, busca entender um fenômeno específico com profundidade, trabalha com descrições, comparações e interpretações, preocupando-se, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado (Minayo, 2004). A opção pelo questionário se deu pela possibilidade de aplicá-lo simultaneamente ao conjunto total dos professores, de conseguir respostas mais rapidamente e de forma mais precisa (Lakatos; Marconi, 2008).
Em 2018, o projeto de extensão surgiu da iniciativa de duas servidoras que, na época, iniciavam um trabalho de assessoria pedagógica no campus, e teve por objetivo iniciar um trabalho de formação continuada dos professores, uma vez que, até então, não havia registro de ações dessa natureza no campus. Por isso, decidiu-se detalhar, neste texto, todas as ações do projeto que gerou as primeiras ações de formação continuada de professores que se estendem até o atual momento.
O CONTEXTO DAS AÇÕES FORMATIVAS DOCENTES
Prioritariamente, objetivou-se, com o projeto, promover a criação de um espaço para a sensibilização e reflexão acerca da importância da formação continuada dos professores. Buscou-se ainda estimular o comprometimento, a coletividade e o compartilhamento de experiências entre os próprios docentes.
Quando o projeto foi gestado, o campus contava com o total de 236 professores distribuídos entre dois centros de ensino, 17 cursos de graduação e cerca de 3 mil estudantes. Contava também, na época, com 8 cursos de mestrado e 3 de doutorado. As áreas de concentração dos cursos eram variadas, compreendendo agrárias, exatas, humanas e da saúde, em sua maioria bacharelados, sendo apenas 4 cursos de licenciatura.
Após a aprovação e registro do projeto, o primeiro passo foi a criação de uma conta de e-mail, na qual foram cadastrados todos os professores. Em seguida, foi encaminhado a eles um convite para a primeira reunião. Um dado importante de se destacar durante essa fase foi a expressiva quantidade de respostas positivas vinda dos docentes, que parabenizaram a iniciativa.
Na primeira reunião ocorreu uma reflexão teórica a respeito da necessidade da formação docente e, em seguida, houve a apresentação da ideia de promover encontros periódicos para estudo, reflexão e debate de temas relacionados à formação docente para o ensino superior.
Para traçar o plano de trabalho para 2019, foi realizado um levantamento com os professores sobre suas principais dificuldades e demandas formativas. Adotou-se a convicção de que, para proporcionar um trabalho significativo, era necessário ouvir os professores e basear as ações formativas em suas reais necessidades. Vale destacar a importância de as ações de formação não serem impositivas, mas abertas a uma livre adesão, bem como serem embasadas nas reais necessidades trazidas pelos sujeitos (Pimenta; Anastasiou, 2014).
Para levantar as perspectivas dos docentes sobre a formação desejada, foi utilizado um questionário composto por três partes. A primeira contava com questões diretas sobre idade, área de formação, titulação, tempo de docência e participação em formações específicas para o ensino.
Na segunda parte, os professores foram convidados a responder três tópicos: 1) sobre as principais demandas e dificuldades em relação à docência; 2) sobre a situação ideal esperada; e 3) se poderia contribuir, e de que forma, para o processo de formação do grupo (oficinas, palestras, socialização de experiências...).
Por fim, na terceira parte, os professores foram convidados a expressar, de forma livre, por meio de palavras, desenhos, figuras ou outra forma que considerasse melhor, a sua experiência de ensino na universidade até o momento. Após finalizado, o questionário foi encaminhado em versão impressa aos docentes, a fim de coletar as informações requeridas.
O questionário foi respondido por 74 professores, correspondendo a 31% de retorno. Desse coletivo, 65 possuíam doutorado e 9 possuíam mestrado, com idades entre 25 e 69 anos. O tempo de atuação na docência no ensino superior variou entre 1 e 42 anos. Dos 74 totais, 15 professores já haviam atuado em outros níveis de ensino antes de iniciar a carreira no ensino superior.
Quando questionados acerca das principais fontes de preparação para a docência, aqueles que a receberam apontaram o estágio em docência e o curso de disciplinas isoladas de metodologia e didática durante o stricto sensu . Esses dados confirmam o que Pimenta e Anastasiou (2014) falam quando apontam a pouca preparação dos estudantes da pós-graduação para uma possível atividade profissional na docência. Segundo Braathen (2014), o professor de ensino superior é raramente preparado para o exercício da profissão, ao contrário do que ocorre em outras profissões.
Um destaque apresentado é que os professores oriundos de instituições privadas relataram ter recebido alguma formação continuada durante seu período de atuação. É importante investigar, em estudos futuros, se essas formações atenderam às necessidades específicas dos docentes e promoveram um desenvolvimento profissional significativo para a atuação na instituição pública.
Na segunda parte das respostas, observou-se que as dificuldades e demandas dos docentes estavam intimamente associadas ao ideal almejado por eles, principalmente a atualização em metodologias, planejamento, oratória, avaliação, inclusão, motivação, novas tecnologias, dentre outros. Eles também destacaram a importância da troca de experiências e discussão em grupo. Cerca da metade dos professores se dispuseram a contribuir na formação continuada dos colegas, sendo a socialização de experiências a sugestão mais apontada.
Na terceira parte, 61 professores se expressaram em relação à sua experiência de ensino na universidade. Após o compilamento dos dados do questionário, foi realizada uma segunda reunião com o grupo de professores para a apresentação dos resultados, as temáticas e a organização dos momentos de formação. Os professores sugeriram um calendário anual fixo composto por encontros quinzenais de curta duração, no período da tarde, e que ocorressem em dias alternados da semana, a fim de facilitar a participação. Os encontros foram realizados com duas horas de duração, sendo o momento inicial destinado à explanação da temática pelo convidado, seguida de um espaço para perguntas e debate.
Entre abril e outubro de 2019, ocorreram 10 encontros formativos com os docentes. Os convites para participar foram realizados por meio de cartazes de divulgação distribuídos pelo campus, bem como via e-mail a todos os professores. Cada encontro foi liderado por um profissional especializado no tema, visando compartilhar experiências e estimular discussões. A maioria dos encontros (seis) foi conduzida por professores do próprio campus, que expressaram interesse em compartilhar suas experiências em um questionário anterior. Apenas dois encontros foram conduzidos por pessoas externas à comunidade acadêmica.
As temáticas abordadas em cada encontro estão descritas no quadro abaixo:
Quadro 1 – Calendário de encontros do grupo.
Mês |
Temática |
Responsável |
Abril |
Estresse e afetividade, um diálogo epigenético |
Professora do campus |
Motivação |
Psicóloga do campus |
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Maio |
Método 300 |
Pedagoga do campus |
Inclusão do aluno com deficiência no ensino superior |
Professora do campus |
Junho |
Inclusão do aluno com transtorno de aprendizagem: um desafio para o educador |
Neuropsicóloga convidada |
Inclusão de alunos com deficiência no ensino superior – deficiência auditiva e/ou surdez, autismo e deficiência intelectual |
Professora do campus |
|
Setembro |
Metodologias ativas |
Professora de outra IES |
Saúde mental na sala de aula |
Psicóloga do campus |
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Outubro |
Aprendizagem baseada em problemas: uma alternativa de ensino em sala de aula |
Professora do campus |
Experiências e desafios no uso de metodologias ativas em sala de aula |
Professora do campus |
Fonte: elaborado pelas autoras, 2024.
As temáticas dos encontros abordaram questões essenciais para a formação humana de professores e alunos, como estresse, afetividade, motivação e saúde mental, além da inclusão de alunos com deficiência e métodos ativos no ensino superior. Esses temas nos convidaram a desenvolver espaços que tratassem, inicialmente, das dimensões subjetivas no ensino-aprendizagem dos estudantes, mas também como formação para os professores, conforme destacado por Nóvoa (2023).
Os encontros proporcionaram um espaço de compartilhamento e diálogo sobre as temáticas, incentivando discussões e trocas de experiências entre os participantes. Isso permitiu a reflexão crítica sobre a prática docente e a ressignificação dos conhecimentos fundamentados em Nóvoa (2017, p. 1122): “o eixo de qualquer formação profissional é o contacto com a profissão, o conhecimento e a socialização num determinado universo profissional”. O autor reforça que “não é possível formar professores sem a presença de outros professores e sem a vivência deles nas instituições” de ensino. Nessa perspectiva, organizar os programas de formação de professores com o objetivo de compreender e melhorar o trabalho docente, promovendo o desenvolvimento profissional e a qualidade do ensino, torna-se indispensável para as instituições de ensino superior.
Além dos 10 encontros formativos, foram ofertadas, no mês de setembro, uma palestra sobre métodos ativos e duas oficinas de desenvolvimento docente. A primeira oficina tratou sobre métodos ativos de ensino, aprendizagem e avaliação: concepções pedagógicas, conceitos e estratégias importantes; a segunda tratou sobre mapa conceitual e aula invertida como métodos de ensino, aprendizagem e avaliação. Ambas foram ofertadas por uma professora de outra universidade federal, em 2019, e contou com a participação de 37 docentes do campus.
Ao final desse período de atividades, foi elaborado um questionário composto por sete questões discursivas e um espaço livre para relato de experiência, que foi encaminhado via e-mail aos docentes que participaram das ações de formação. O objetivo do questionário foi avaliar as ações do projeto, bem como coletar dados para as próximas formações. As perguntas realizadas aos participantes estão relatadas no quadro 2.
Quadro 2 – Questionário feito para os participantes do estudo.
Número da Pergunta |
Pergunta |
1 |
Mencione o que considerou de positivo nos encontros. |
2 |
Já colocou ou pretende colocar em prática alguma das aprendizagens? Se sim, qual ou quais? |
3 |
Você teve algum impedimento ou dificuldade para participar dos encontros? Se sim, qual ou quais? |
4 |
Sentiu falta de alguma temática que não tenha sido abordada? Qual ou quais? |
5 |
Você gostaria que alguma das temáticas já abordadas fosse aprofundada? Qual ou quais? E de que forma? |
6 |
Apresente aqui suas sugestões para a melhoria das ações do projeto. |
7 |
Você gostaria de participar como condutor de algum dos encontros do grupo? Qual temática? Qual seria a forma? Ou teria a indicação de algum nome? |
8 |
Gostaríamos que nos deixasse um relato pessoal a partir da sua experiência com o Grupo de Estudos. |
Fonte: elaborado pelas autoras, 2024.
Com a aplicação desse questionário, obteve-se o retorno de 27 respostas, todos com avaliações muito positivas em relação às ações desenvolvidas. O projeto de extensão teve duração de dois anos e precisou ser encerrado por questões de mudança na legislação da universidade, entretanto, as atividades formativas tiveram continuidade por meio de grupos de estudos compartilhados, oficinas e minicursos.
Durante a pandemia, nos anos de 2021 e 2022, a formação dos professores foi realizada por meio de encontros formativos organizados pela Diretoria de Desenvolvimento Pedagógico (DDP) da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (ProGrad), por webconferência. As temáticas abordaram: I – Formação de professores em tempos de pandemia e de resistência; II – Experiências no Ensino-Aprendizagem Remoto Temporário e Emergencial (Earte); III – Avaliação e recursos tecnológicos do ensino-aprendizagem; e IV – Metodologias de ensino.
Em 2022, após o período de pandemia, foram retomadas as atividades presenciais do grupo de estudos do campus, focado em estudos teóricos sobre docência universitária. Nesse momento, foram estudadas as obras: Inovar o ensino e a aprendizagem na universidade (Imbernón, 2012) e O bom professor e sua prática (Cunha, 2011). Esse grupo tem conquistado novos participantes e gerado novas propostas de trabalho para a formação continuada dos professores do campus.
No primeiro semestre de 2023, foram organizadas duas turmas de formação sobre Métodos Ativos – Módulo I (professores iniciantes) e Módulo II (para professores que já tinham participado do módulo 1, em 2020). Os módulos consistiram em temáticas voltadas para a prática docente.
O módulo I versou sobre as temáticas Métodos ativos de ensino, aprendizagem e avaliação: conceitos e requisitos importantes; Concepções pedagógicas; Aprendizagem baseadas em filmes; Aula invertida e mapa conceitual. A formação teve a duração de 2 dias e carga horária de 16h, com participação de 28 docentes universitários de várias áreas do conhecimento.
O módulo II versou sobre as temáticas: Desafios e potencialidades relacionadas à aplicação dos métodos e técnicas ativas de ensino, aprendizagem e avaliação; Diretrizes e concepções importantes a se considerar no trabalho com métodos ativos; A necessidade de capacitação e desenvolvimento docente de educadores formados no século XX para educar estudantes do século XXI; A problematização como método de ensino, aprendizagem e avaliação; O portfólio e o web-portfólio como método de ensino, aprendizagem e avaliação; Como utilizar a avaliação formativa e o feedback imediato no processo de ensino, aprendizagem e avaliação. O módulo teve a duração de 2 dias e carga horária de 16h, com participação de 28 docentes universitários de vários departamentos do campus .
No segundo semestre de 2023, destaca-se como ação formativa a palestra sobre Aprendizagem Significativa e o minicurso sobre Taxonomia de Bloom, com o Prof. Per Christian Braathen, autor do livro Professor, como ter sucesso no ensino superior: Didática e metodologia para um ensino superior efetivo , que também foi objeto de estudo no grupo de estudo no período de 2022 a 2023.
Em 2024, no primeiro semestre, os professores receberam formação sobre saúde mental na universidade, ofertada por uma das psicólogas da instituição. E como ponto forte, permanecem os encontros quinzenais dos grupos de estudo, atualmente com a obra Métodos ativos de ensino, aprendizagem e avaliação: da teoria à prática (Cotta, 2023).
No próximo tópico, serão apresentados os resultados e as discussões relacionadas à percepção dos professores sobre as ações de formação do grupo de estudo GEDES como forma de construção de legitimidade desses espaços formativos.
A PERCEPÇÃO DOS DOCENTES ACERCA DO ESPAÇO DE FORMAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA SUA LEGITIMIDADE
A construção da legitimidade de formação continuada de professores universitários requer o reconhecimento de que “a universidade como espaço de formação pode ou não se transformar em um lugar de formação. O lugar representa a ocupação do espaço pelas pessoas que lhe atribuem significado e legitimam sua condição” (Cunha, 2008, p. 184). Este estudo relata como esses espaços se transformam em locais de formação e como os sujeitos em formação os reconhecem em sua legitimidade na instituição em estudo.
As ações formativas do projeto de extensão proporcionaram a participação de 31% do total de professores, que ministram aulas para os 17 cursos de graduação do campus, com destaque para os docentes do curso de Engenharia de Alimentos, que contou com a presença de mais de 60% de seu corpo docente.
Com o desenvolvimento do projeto, foi possível proporcionar a formação de um grupo de professores, o que, na visão deles, foi o aspecto mais positivo de todos, reforçando a afirmativa de Cunha (2008, p. 185) de que “quando nossa subjetividade atribui sentido aos lugares, eles se tornam parte de nós mesmos. Eles constroem nossa história e neles deixamos parte de nós” [...]. Destaca-se abaixo a narrativa de um professor que vê a docência em sua vida como sendo algo positivo, por vezes, emocionante:
“ Ensinar exige sensibilidade e dedicação. O material humano (aluno) difere a cada semestre. Isto faz do ensino-aprendizagem um processo difícil, mas ao mesmo tempo desafiador. Que venham alunos diferentes, pois isto me motiva a trabalhar cada vez mais em prol do ensino. Este é meu mote. E como diz Paulo Freire: ‘Só desperta paixão em aprender, quem tem paixão em ensinar.’ Eu tenho paixão por minha profissão” (Professor X, 2018).
A narrativa do professor X enfatiza que ensinar requer sensibilidade e dedicação, destacando que se sente incentivado a melhorar continuamente seu trabalho pela diversidade de estudantes que recebe a cada período. Essa reflexão nos leva à “valorização da dimensão humana”, tanto do docente quanto do estudante que está em formação, destacando a “importância de uma relação humana que não se limita à aquisição de técnicas e de competências”, mas que “enriquece o processo formativo com dimensões subjetivas que são centrais para o processo de conhecimento” (Nóvoa, 2023, p. 35).
A metodologia das ações foi destacada pelos docentes, assim como a diversidade de temáticas e a troca de experiências com colegas de diferentes áreas e instituições. A iniciativa foi elogiada, sobretudo, por incentivar a formação continuada dos professores. As temáticas foram consideradas relevantes e bem desenvolvidas. A maioria dos docentes relatou já ter colocado em prática alguma das aprendizagens adquiridas nos encontros formativos, enquanto os demais expressaram a intenção de fazê-lo em breve.
Dentre as aprendizagens colocadas em prática, apareceram as metodologias ativas: método 300, sala de aula invertida, mapa conceitual, aprendizagem baseada em problemas, gamificação, dentre outros. Em seguida, foram citadas as aprendizagens relacionadas à saúde mental. Alguns professores disseram estar atentos quanto ao comportamento dos alunos, observando-os mais e trabalhando melhor o acolhimento. Um professor relatou que, para minimizar a ansiedade dos estudantes, introduziu a prática do relaxamento pré-aula.
Sobre a legitimidade dos espaços de formação para esses professores, Cunha (2008, p. 185) ressalta que:
[...] ao assumirmos lugares na universidade para a formação de professores, estamos definindo os formatos e alternativas que conseguimos estabelecer com tal objetivo e atribuímos sentidos de legitimidade aos mesmos. Mas transformaremos esses lugares em territórios quando firmarmos ações como uma cultura, delineando processos decisórios e visões epistemológicas que se tornem preponderantes. Os territórios têm uma certa estabilidade, e a alteração de suas fronteiras é sempre resultado de lutas concorrenciais (Cunha, 2008, p. 185).
Assim, segundo a autora, os lugares se constituem a partir dos significados da experiência de formação vivenciados nesses espaços, que serão reconhecidos por meio de sua pertença e legitimidade. Já os territórios serão percebidos a partir de seu aporte legal e institucional, que sustenta as propostas de programas de formação de professores universitários. Imbernón (2012) ressalta que, além das práticas em formação, fez-se necessária a análise da formação como elemento de luta pelas melhorias sociais e trabalhistas, buscando valorizar as relações de trabalho.
Nesta experiência formativa, as temáticas abordadas atenderam à expectativa dos professores, uma vez que a maioria relatou não ter sentido falta de nenhum outro assunto. Manifestaram, entretanto, o interesse no aprofundamento de algumas temáticas, como avaliação, metodologias ativas, inclusão, saúde mental e planejamento, por meio de oficinas mais práticas, minicursos e cursos.
Imbernón (2012) destaca a importância da formação e do desenvolvimento profissional do professor, uma vez que a organização do ensino resulta em um compromisso com a aprendizagem significativa dos estudantes por meio do reconhecimento das demandas da dinâmica pedagógica.
Ao deixarem seus relatos, os professores puderam manifestar o quanto esse espaço de formação fez diferença para eles. Para alguns, foi como a abertura de um novo horizonte, por se sentirem motivados, valorizados e ouvidos. A troca de experiências e conhecer novos colegas foram apontados como aspectos muito significativos. Relataram que, após a utilização de metodologias ativas em sala, perceberam mudanças em relação ao interesse dos alunos pelas aulas, bem como a melhoria do processo ensino-aprendizagem. Essa mudança pode ser claramente identificada na fala do docente:
“ Os encontros proporcionados pelo grupo de estudos e os eventos ou cursos divulgados foram para mim importantes oportunidades de informação e reflexão sobre minha prática docente. A partir das palestras, eu pude perceber e compreender melhor os problemas enfrentados por muitos alunos. Já a abordagem das metodologias ativas me permitiu ver possibilidades de adaptação dos métodos de ensino-aprendizagem que eu utilizo, tendo opções para diversificá-los e torná-los mais interessantes para os alunos” (Professor Y, 2020).
Segundo Nóvoa (1992), a formação deve despertar o pensamento crítico-reflexivo do docente e proporcionar autonomia e (auto) formação. Para o autor, “estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vistas à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional” (p. 25). Sendo assim, a narrativa docente a seguir demonstra a construção dessa perspectiva crítico-reflexiva:
“ O grupo de estudos foi um fator motivacional pra mim, no sentido de tentar me atualizar com novas metodologias. A troca de experiências vivenciada nas nossas reuniões foi engrandecedora. Essas reuniões mexeram tanto comigo que já estou pensando em uma capacitação nesta área, coisa que nunca tinha passado pela minha cabeça. Acho que essas reuniões ‘abriram minha mente para outras potencialidades ainda não exploradas por mim, e que achava impossível’. Falo muito em relação às metodologias ativas, mas tivemos outros encontros também muito enriquecedores. Além disso, o grupo me proporcionou conhecer novos colegas dentro da UFES” (Professor Z, 2020).
A narrativa do professor Z mostra que o grupo de estudos o motivou a se atualizar e a ampliar sua visão sobre as metodologias ativas. Ele relata que as trocas de experiências foram enriquecedoras, inspirando-o a buscar formação em áreas não consideradas antes e o permitiu conhecer outros docentes da universidade. Essa socialização profissional destacada pelo professor Z é defendida por Nóvoa (2023) como um ponto central da formação de professores. Segundo o autor, é preciso “repensar os ambientes de formação, de pesquisa e de trabalho” para “reforçar os professores enquanto coletivo docente” (p. 81), favorecendo um trabalho colaborativo e de coconstrução do conhecimento e da pedagogia (Nóvoa, 2017). D essa forma, pode-se inferir que houve motivação do professorado no que tange à formação, o que leva a crer no potencial crescimento do trabalho iniciado. Zabalza (2004) ressalta em seu estudo que:
os professores que mais procuram a formação são justamente aqueles que mais formação tiveram, o que depõe a favor desses cursos: incentivam o desejo de formação, tornam os professores mais conscientes de suas necessidades e das possibilidades que têm para enfrentar em melhores condições a grande complexidade da docência universitária atual (Zabalza, 2004, p. 151).
Dentre as percepções positivas dos docentes, o de maior destaque foi a criação desse espaço de aproximação dos professores, onde puderam se conhecer, falar de seus dilemas e avanços, trocar experiências e aprender. Os professores demonstraram-se muito interessados e participativos no decorrer dos encontros. Conforme Zabalza (2004, p. 154), “[…] a pedagogia universitária tem um importante papel no que diz respeito à formação como estimuladora da criação desse espaço profissional comum entre os professores das diversas especialidades […]”.
A adesão de professores das diferentes áreas, bem como a heterogeneidade do grupo, proporcionou uma riqueza de experiências. Nesse sentido, pode-se considerar que progressivamente está se criando uma nova cultura da formação de professores do ensino superior na instituição em estudo. Visto que a implementação de novas práticas pedagógicas começou a chegar ao conhecimento das pesquisadoras por meio de registros fotográficos e relatos orais de algumas técnicas aprendidas, principalmente nas oficinas de formação e desenvolvimento docente.
Durante a realização do projeto de extensão, os professores enfrentaram dificuldades para participar dos encontros devido à coincidência de horários com suas atividades acadêmicas, administrativas e de pesquisa. Apesar da alternância dos dias da semana, nem todos puderam comparecer a todas as reuniões. Como sugestão para melhoria de ações futuras, os professores sugeriram a alternância não só dos dias da semana, mas também dos horários dos encontros. Nesse sentido, é importante que a formação continuada ocorra no contexto da prática profissional e que resulte de uma reflexão compartilhada entre os professores (Nóvoa, 2017).
Nessa perspectiva, a criação de grupos de estudo para compartilhar experiências entre os docentes tem sido uma prática formativa bem-sucedida no campus, atendendo às demandas por formação continuada dos professores universitários. Como destacado por Nóvoa (1997, p. 30), “o território da formação é habitado por atores individuais e colectivos, constituindo uma construção humana e social, na qual os diferentes intervenientes possuem margens de autonomia na condução dos seus projetos próprios”.
Esse debate sobre os espaços e territórios da formação docente, focado na prática profissional, ressalta a importância de refletir sobre os aspectos pessoais (história de vida) e profissionais (exercício da docência) dos professores, além da estrutura institucional (a universidade), a fim de promover novas maneiras e estratégias de formação de professores para o ensino superior.
A docência, assim como as demais profissões, jamais poderá ser vista como algo estático, sendo fundamental a reflexão e a constante busca pelo aprimoramento nas formas de ensinar e aprender. Programas e projetos que tomem como objetivo a formação continuada dos docentes universitários em serviço devem ser fomentados e incentivados pelas instituições de ensino superior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo relatou a experiência de formação continuada de professores em uma universidade federal no Sudeste do Brasil. As evidências apresentadas neste estudo confirmam a necessidade de criação de espaços permanentes e institucionalizados (territórios de formação), por parte das instituições de ensino superior com essa finalidade.
Os resultados mostraram que a formação continuada em serviço proporcionou aos docentes espaços de socialização profissional por meio de diferentes atividades, consolidando comprometimento, coletividade e troca de experiências. Os encontros, inicialmente, abordaram temas como estresse, afetividade, motivação, saúde mental, inclusão de alunos com deficiência e métodos ativos de ensino, destacando a importância de a formação acontecer no âmbito da prática docente, a partir da real necessidade dos professores, que valorize as dimensões subjetivas no ensino-aprendizagem dos estudantes.
Atualmente, a formação dos professores no campus é caracterizada por uma reflexão contínua sobre sua prática profissional. Os docentes atuam como protagonistas no desenvolvimento e aprimoramento das práticas educativas, em um processo colaborativo que permite o compartilhamento de experiências e conhecimentos. Isso promove um desenvolvimento profissional contínuo, adaptado às necessidades específicas do ambiente educativo, com base em estudos de autores sobre docência e os métodos ativos no ensino superior. Essa abordagem colaborativa fortalece a comunidade docente, incentivando a inovação e a melhoria do ensino.
Se faz necessário o surgimento de uma nova cultura de formação de professores na instituição em estudo. Essa ação fortalece a implementação de formação continuada institucionalizada no ensino superior, com o propósito de ressignificar os saberes e as práticas docentes, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores universitários.
Por fim, ressalta-se a necessidade de estimular cada vez mais os docentes quanto à importância da formação continuada, bem como da pesquisa e publicação de sua própria prática educativa. Considera-se, ainda, a necessidade de se manter registros oficiais e de domínio público, com textos, fotos e relatos de experiências dos docentes, a fim de que os que ainda não aderiram ao movimento possam, de alguma forma, se sentir estimulados a fazê-lo.
Como encaminhamentos de estudos futuros, acredita-se que ouvir os alunos torna-se fundamental num trabalho que pretenda aprimorar o ensino e a aprendizagem. Nesse intuito, objetiva-se alinhavar as atividades de formação continuada docente com a escuta das demandas e propostas discentes, suas necessidades e dificuldades, buscando caminhos que tornem a formação docente e discente impulsionadora de transformação social.
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Michelha Vaz Pedrosa
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Graduada em Pedagogia (Licenciatura) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Possui especialização (lato sensu) em Psicopedagogia Institucional. Atualmente é Pedagoga na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES-ES), campus de Alegre, com experiência em assessoramento pedagógico docente.
Josiléia Curty de Oliveira
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Mestre em Gestão Pública pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduada em Letras e Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Alegre. É Secretária Executiva na UFES - Campus de Alegre. Desenvolve estudos sobre Formação de professores, Currículo, Culturas e Linguagens.
Isabella Vilhena Freire Martins
Professora titular do Departamento de Medicina Veterinária – CCAE-Ufes. Pós-doutorado e Doutorado em Sanidade Animal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Mestre em Parasitologia Veterinária pela UFRRJ. Graduada em Medicina Veterinária pela UFRRJ. Atua na área de doenças parasitárias de animais e possui 20 anos de experiência como docente de ensino superior, ministrando disciplinas de graduação e pós-graduação.
Como citar este documento – ABNT PEDROSA, Michelha Vaz; OLIVEIRA, Josiléia Curty de; MARTINS, Isabella Vilhena Freire. Docência e formação continuada no ensino superior: experiências em uma universidade federal no Brasil. Revista Docência do Ensino Superior , Belo Horizonte, v. 14, e051070, p. 1-20, 2024. DOI: https://doi.org/10.35699/2237-5864.2024.51070. |
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1 Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Alegre, ES, Brasil.
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-0682-0758. E-mail: michelha.pedrosa@ufes.br
2 Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Alegre, ES, Brasil.
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-4537-0983. E-mail: josileia.oliveira@ufes.br
3 Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Alegre, ES, Brasil.
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-8700-3065. E-mail: isabella.martins@ufes.br
Recebido em: 08/02/2024 Aprovado em: 22/07/2024 Publicado em: 16/09/2024
Rev.
Docência Ens. Sup., Belo Horizonte, v. 14, e051070, 2024