Vicente, W. L. C. e Vendruscolo, R.
Complexas mudanças vêm acontecendo no cená- rio
agrário mundial, impulsionadas, principalmente pela dinâmica
econômica global. Nesse contexto, há significa-
tivo
protagonismo da cadeia de grãos baseada em uma
agricultura principalmente empresarial para exportação
de
commodities, implicando em progressiva introdução e
ampliação de monoculturas no contexto brasileiro, espe-
cialmente a da soja. Esse grão tornou-se uma das commo-
dities mais importantes do mundo, servindo de base para
a
produção de alimentos industrializados, ração animal,
combustível e centenas de produtos industriais, explicando a
expansão das fronteiras agrícolas e da intensificação da
atividade no Brasil (Moreira, Conterato, Matte, 2019).
O Bioma Pampa integra três países da América do
Sul, correspondendo a parte da Argentina, todo o
território
do Uruguai e 62,2% do território do Rio Grande
do Sul, no
Brasil (Boldrini et al., 2010). O Bioma Pampa, possui uma
sociobiodiversidade construída a partir da colonização
europeia, da demarcação das fronteiras, da
introdução da
pecuária e do estabelecimento da estrutura
fundiária de médias
e grandes propriedades que estão presentes até hoje na
metade sul do Estado. Muitos es- tudos vêm sendo
realizados sobre a sociobiodiversidade do Bioma Pampa, que
identifica uma riqueza de flora e fauna, ainda carentes de
maiores pesquisas (Binkowski, 2009). Alguns estudos
apontam a existência de mais de 2200 espécies campestres
(Boldrini et al., 2010).
A produção de soja vem aumentando em diversas
regiões do Brasil, por vezes substituindo ou somando a
atividades produtivas tradicionais nesses espaços. De
acordo com dados da Conab (2021) a produção de soja
aumentou de 75.323 mil toneladas para 124.845 mil
toneladas nos últimos 10 anos. Esse aumento se deve às
novas tecnologias que visam aumentar a produti- vidade,
mas, também, ao aumento da área plantada. Em todo Brasil,
verifica-se um aumento de 24.182.000 para 36.948.000 de
hectares de soja entre as safras de 2010/2011 e 2019/2020.
Salienta-se que, o conjunto da sociobiodiversidade
composto pela produção pecuária extensiva, com pouca
carga animal por hectare e com o manejo adequado do
campo nativo, que permite a preservação da diversidade de
espécies animais e vegetais, permite a conservação dos recursos
hídricos, a disponibilização de polinizadores e a manutenção
de importantes recursos genéticos. Além dis- so, garantem o
provimento de forragem para a pecuária, resguardando uma
produção diferenciada, com base em uma cultura social e
econômica de produção. As espécies forrageiras permitem o
desenvolvimento de uma pecuária ecológica, com a integração e
a conservação do campo na- tivo (Boldrini et al., 2010) Dessa
forma, a pecuária de corte
baseada na produção em campo nativo
pode ser considerado
uma estratégia de serviços ambientais
(Pillar et al., 2009).
No Rio Grande do Sul, a estimativa de aumento
de
área plantada de soja na safra 2020/2021 é de 1,55%,
passando
de 5,98 milhões de hectares para 6,07 milhões
de hectares
(Beledeli, 2020). O aumento da produção de
soja no RS é
progressivo nos últimos anos, estimulado, principalmente
por fatores econômicos. O aumento do
preço da saca de soja,
decorrente do aumento das expor-
tações e da elevação do
dólar são os principais fatores
(Beledeli, 2020). De acordo
com dados da Conab (2021),
a produção (em mil t) de soja
no RS era de 6.439 em 1990, diminuindo para 4.965 em
2000, chegando aos
10.219 em 2010, e, mesmo com o problema climático
enfrentado pelo estado na safra 2019/2020, chegando à
produtividade de 11.444.
Segundo Bencke et al. (2016) é impossível se
“delimitar” o Pampa somente em extensão territorial, seria uma
definição incompleta. Se faz necessária uma análise
sociocultural, em virtude da apresentação da figura do
gaúcho, habitante natural da região. Assim, em termos
socioculturais, o Pampa abrange a cultura do gaúcho, uma
categoria construída a partir da atividade extensiva de criação
de gado bovino e ovino nos campos nativos. Uma integração
social e cultural com a biodiversidade animal e vegetal.
A principal região de expansão da produção de
soja
no RS é a chamada Metade Sul. Estima-se que, apenas na região
de abrangência da Emater Bagé, que abrange os
municípios da
Campanha e Fronteira Oeste, o aumento será de 6% na safra
2020/2021 (Beledeli, 2020). Esse
aumento se dá em áreas
tradicionalmente ocupadas pela
produção pecuária, bem
como, em rotação de culturas em áreas de várzea com arroz
(Beledeli, 2020).
Diversos autores (Boldrini et al., 2010; Matte e
Waquil 2018; Matte et al., 2020) vêm chamando a atenção
para a necessidade de pesquisas e políticas pú- blicas que
atentem para a preservação desse importante
Bioma, que
apresenta importante biodiversidade. Ainda,
chamam a
atenção para as ameaças da exploração das atividades
econômicas e a urbanização sobre o Bioma.
Por outro lado,
Estudiosos (Verschoore Filho, 2000) bus- cam demonstrar por
meio de indicadores demográficos e
econômicos, o declínio
da participação dessa região no desenvolvimento do Rio
Grande do Sul, diferenciando o
estado entre “metade sul” e
“metade norte” em um senso
comparativo de
desenvolvimento.
Essas transformações, demonstradas em números,
evidenciam as mudanças no uso da terra e na produção
pecuária no Brasil e no Rio Grande do Sul. Principalmen-
te na
Metade Sul do RS, o avanço da produção de soja tem
alterado o Bioma Pampa. Transformações que têm
mobilizado diversas pesquisas que objetivam analisar os
impactos sobre o bioma e sobre a produção pecuária
(Gonzéles e Fonseca, 2017; Matte, 2017)
Essa contradição nas concepções de desenvol-
vimento estimularam o avanço da produção de grãos
Cad. Ciênc. Agrá., v. 13, p. 01–09, DOI: https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.36935