Quem conta minha história? As mutilações do cânone e a construção do Outro em Foe, de J. M. Coetzee
DOI:
https://doi.org/10.17851/1982-0739.23.3.85-99Palavras-chave:
Pós-colonialismo, Outro, Foe, Colonizado, CoetzeeResumo
Tomando a narrativa literária como campo fecundo para revisitação de obras já canonizadas, Foe, escrito em 1986 por J. M. Coetzee, se inscreve em um amplo debate acerca da representatividade dos sujeitos em situações subalternizadas e suas possibilidades de expressão, via texto literário, que se inicia a partir dos anos 1960 com o recrudescimento dos estudos pós-coloniais. A obra em questão reconfigura as relações entre personagens outrora representados na tradição da literatura inglesa, a saber, o colonizador branco e o escravizado negro. O texto é uma releitura direta de The tempest (1611), de William Shakespeare e Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe. Interessa pensar em que medida se efetua na obra uma reconfiguração dos posicionamentos de tais personagens, que visa elucidar a sub-representação à qual o sujeito negro, na condição de sujeito escravizado, foi submetido. A simbologia arquitetada por Coetzee é precisa: o sujeito escravizado, de nome Sexta-feira, é mutilado fisicamente – não possui sua própria língua, pois essa lhe foi cortada por seu antigo dono, e assim não é capaz de contar sua própria história. De tal fato sobrevém o cerne da narrativa: a ressignificação do silêncio enquanto única instância de resistência frente ao projeto colonizador. Assim, este trabalho busca responder aos questionamentos que a obra literária suscita na ordem das possibilidades de fala do sujeito negro e da legitimidade de sua representação e constituição como o Outro do colonizador. Para isso, privilegiamos as relações que se estabelecem na obra entre o sujeito europeu, detentor da fala e da possibilidade da escrita, e o sujeito subalternizado, privado de sua capacidade de fala.
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