La Soledad de Ninguém
quando José Leonilson e Feliciano Centurión se encontram
DOI:
https://doi.org/10.17851/2358-9787.34.3.176-192Palavras-chave:
Bordado, Autobiografia, Escritura, José Leonilson, Feliciano CenturiónResumo
Para além de pinturas animalescas em grandes dimensões e suportes inusitados, como cobertores e couros reaproveitadas, coleções de pequenos objetos e bordados delicados em artefatos cotidianos, como almofadas e travesseiros, o que mais o brasileiro José Leonilson (Fortaleza, 1957 – São Paulo, 1993) e o paraguaio Feliciano Centurión (San Ignacio de las Misiones, 1962 – Buenos Aires, 1996) têm em comum? A escritura de uma vida que se dá na medida mesma em que se cria as bordas da arte, inventariando o cotidiano enquanto é preenchido por ele, e também o preenche, de maneira recíproca. Os dois artistas retratavam seus amores, seus anseios, sua sexualidade e também seus medos – corpos perigosos, infectados pelo vírus do hiv em uma época cujo diagnóstico significava uma morte precoce. A inserção vertiginosa de palavras nos bordados de ambos os artistas, sobretudo em seus últimos anos de vida, vai tomando um enlevo cada vez mais latente, e acaba por servir de salvaguarda, uma tentativa de salvar a vida pela escrita (cf. Blanchot, 2018), que segue a produzir significados, ainda hoje, quando a fronha de travesseiro rosa de Leonilson, delicadamente bordada com o título que lhe cabe, Ninguém (1992), encontra o travesseiro bordado à mão de Centurión, cujo título é também seu signo escrito: Soledad (c. 1996), tradução para solidão.
Referências
BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor. In: BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. Trad. Susana Kampff Lages e Ernani Chaves. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2013.
BLANCHOT, Maurice. O diário íntimo e a narrativa. In: BLANCHOT, Maurice. O Livro por Vir. Trad. Maria Regina Louro. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2018.
CAMPILHO, Matilde. Jóquei. São Paulo: Editora 34, 2015.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Atlas, ou, O gaio saber inquieto. Trad. Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018.
GARRAMUÑO, Florencia. Frutos estranhos: sobre a inespecificidade na estética contemporânea. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.
KIFFER, Ana Paula Veiga. A escrita e o fora de si. In: KIFFER, Ana Paula Veiga; GARRAMUÑO, Florencia. (Orgs). Expansões contemporâneas: literatura e outras formas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
KRAUSS, Rosalind. Sculpture in the Expanded Field. In: October, Cambridge, Massachusetts: MIT Press, v. 8, p. 30-49, 1979. Disponível em: https://monoskop.org/images/b/bf/Krauss_Rosalind_1979_Sculpture_in_the_Expanded_Field.pdf. Último acesso em: 22 fev. 2025.
LAGNADO, Lisette. (Org.). São tantas as palavras: Leonilson. São Paulo: Marca D’água, 1996.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Trad. Jovita Maria Gerheim Noronha, Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
LUDMER, Josefina. Literaturas postautónomas: otro estado de la escritura. In: Ciberletras – Revista de crítica literaria y de cultura, n. 17, julho de 2007.
LUKIN, Aimé Iglesias; MARTA, Karen. (Org.). Feliciano Centurión. New York: Americas Society, 2020.
MIRANDA, Wander Melo. Corpos escritos: Graciliano Ramos e Silviano Santiago. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
MELENDI, Maria Angélica. Território de bordadores: Histórias de amor, de loucura e de morte. In: MELENDI, Maria Angélica. O corpo vulnerado. Rio de Janeiro: Cobogó, 2024.
MELLO, Ramon Nunes. (Org.). Tente entender o que tento dizer: poesia + hiv/aids. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2018.
MESQUITA, Ivo. Leonilson: Use, é lindo, eu garanto. São Paulo: Projeto Leonilson/ Cosac & Naify, 1997.
NANCY, Jean-Luc. Resistência da poesia. Trad. Bruno Duarte. Lisboa: Vendaval, 2005.
PEDROSA, Adriano. Leonilson: truth, fiction. São Paulo: Pinacoteca do Estado; Cobogó, 2014.
SCHAFFNER, Ingrid. Félix González-Torres/ Wolfgang Leib. Parkett Magazine. Zurique, n.39, 1994, p.114-117.
SZYMBORSKA, Wisława. Um amor feliz. Seleção, tradução e prefácio Regina Przybycien. SP: Companhia das Letras, 2016.



