A travessia da terra vermelha: uma saga dos refugiados judeus no Brasil
DOI :
https://doi.org/10.17851/1982-3053.7.12.187-189Mots-clés :
Conto, Arquivo MaaraviRésumé
Os olhos da soprano viravam pássaros. Fugiam da máscara num sonoro e acelerado bater de asas porque, assim como a boca, também gostavam de cantar. A mágica que os subtraía do rosto fazia da vida uma ilusionista e da cabeça de Nora Naumann, uma cartola. Transformava os olhos em alados e afinados cantores para também tentar libertá-los da gaiola intransponível da memória. Mas, eles nada mais eram que o passado em forma de passarinho. Desprendiam-se com facilidade do corpo para voar sem pressa e prazerosamente sobre os campos verdes formados pelas copas das árvores da infinita floresta brasileira. Voavam sobre as perobas, cedros, caviúnas, marfim, canjeranas, óleo-pardo, canelas, amoreiras, araucárias e as gigantescas e imponentes figueiras brancas cujas raízes aéreas se derramavam tronco abaixo. Rodopiando como um casal em passos de valsa, desviavam do tucano solitário e do bando de papagaios tagarelas da ponta da asa vermelha. Também chegavam às praias tropicais e, misturadas às gaivotas e fragatas, voavam, voavam, ora dando rasantes sobre o mar ora furando as nuvens; depois atravessavam o oceano, cruzavam as montanhas nevadas da Europa, até pousarem cansados sobre o piano de cauda da Escola de Música de Dresden ou no palco de Teatro de Dusseldorf, na Alemanha. Só então descansavam, e, em seguida, voltavam acelerados ao interior do Brasil, cortando o céu como estrelas cadentes, cruzando a escuridão da noite, até chegarem bem perto das tímidas chamas que dançavam sobre as pontas das enferrujadas e oleosas lamparinas. Trêmulas luzes que iluminavam um pedaço de peroba-rosa enfeitado com letras talhadas à mão que identificavam o nome da singela casa de espetáculos: Ópera dos Grilos.
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