Carta I, 1 de Marco Túlio Cícero ao Irmão Quinto
DOI:
https://doi.org/10.35699/2525-8036.2018.5116Resumo
APRESENTAÇÃO DO TRADUTOR
Um dos tesouros da Antiguidade preservados da corrosão inexorável dos séculos são as cartas de Marco Túlio Cícero. Nesses escritos, publicados após a morte do filósofo e orador romano, temos a oportunidade única de nos inserirmos no cotidiano do fim da República, seja nos principais debates políticos, seja nos costumes e práticas culturais.
Como Cícero foi uma figura ativa nesse contexto, um historiador pode considerar desafiador identificar os limites que separam os valores e as ideias do personagem, cônsul salvador da res publica no episódio da conjuração de Catilina, dos eventos da história de Roma.
Contudo, um filósofo, sem abandonar a historiografia, pode muito bem concluir que, em vista da primazia das fontes ciceronianas para o conhecimento do período republicano, para nós, dois milênios depois, quando se fala na República romana, esta é a República de Cícero, aos olhos de Cícero, para Cícero.
Dessa forma, é imprescindível investigarmos, pacientemente, as cartas do velho magistrado, conjuntamente com as suas mais exploradas obras filosóficas e retóricas. E para a história e a filosofia política, Ad Quintum fratrem I, 1 é, talvez, um dos mais interessantes textos.
Redigido nos fins de 60 a.C., ano 654 da fundação de Roma, foi destinado a Quinto, irmão de Cícero e também ator político. Edil em 66 e pretor em 62, foi nomeado em 61 para o governo da província da Ásia, hoje correspondente a porções da Grécia e da Turquia 16. A prorogatio sucessiva para 60 e 59 deixou Quinto insatisfeito, mas Cícero, que fora cônsul em 63 17, vislumbrava nesse terceiro ano uma excelente oportunidade para aquele evidenciar suas qualidades como bom governante e, assim, receber os elogios necessários para o vir romano deixar o seu nome e o de sua família na história para as futuras gerações, ser um exemplum. Não obstante, este é um escrito que geralmente fica à sombra de outras grandes passagens concernentes ao melhor homem político, como o tratado De re publica e a oração Pro Sestio, mas igualmente importante para a compreensão da concepção do civis dedicado ao bem da res publica.
Na epístola, Cícero ainda nota outro fator muito importante que podia contribuir para
Quinto destacar-se em gloria: conquanto não a mais próspera das províncias, a Ásia albergava cidades de incomensurável tradição, nas quais restavam esvanescentes traços dos antigos gregos tão admirados pelo orador. Eis a florescente humanitas ciceroniana que, a partir do reconhecimento da dívida intelectual com os helênicos, enseja um tratamento benevolente, um fundo cultural comum a transformar o próprio agir humano, unindo eticamente Grécia e Roma.
Paradoxalmente, o ascendente império já deixava rastros de exploração, pelo que urge um bom governante de província, marcado pela humanidade, tal como delineado nesta carta 18.
Referências
CÍCERO. Cartas I: Cartas a Ático. Trad. Miguel Rodríguez-Pantoja Márquez. Madrid: Gredos, 1996.
_______.Epistole al fratello Quinto e altri epistolari minori. A cura di Carlo di Spigno. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 2002.
SANTOS, Igor Moraes. A res publicaentre a ideia e a história: filosofia, eloquência e tradição no pensamento político-jurídico de Marco Túlio Cícero. Dissertação (Mestrado em Direito). 2018. 483f. Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.
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