CHAMADA ALETRIA - v. 36, n. 1 (jan. - mar. 2026) Dossiê: Estudos da tradução e IA: diálogos (im)possíveis
CHAMADA ALETRIA - v. 36, n. 1 (jan. - mar. 2026)
Organizadores:
Ana Maria Chiarini (Universidade Federal de Minas Gerais)
Anna Palma (Universidade Federal de Minas Gerais)
Amanda Bruno de Mello Universidade Federal de Santa Catarina
Prazo para submissão: 10 de junho de 2025
Estudos da tradução e IA: diálogos (im)possíveis
Tanto a tradução automática como a inteligência artificial começaram a se desenvolver como campos de estudos nos anos 40-50 do século XX e, há cerca de quatro décadas, ferramentas que permitem ou facilitam a automatização da tradução estão presentes no cotidiano de tradutores, pelo menos em algumas áreas. É o caso, por exemplo, das memórias de tradução e dos corpora paralelos, cujo uso se estabeleceu, respectivamente, na década de 1980 e 1990 (Sofo, 2023). Embora a discussão sobre a relação entre a tradução humana e a tradução da máquina não seja nova, é com o surgimento das redes neurais artificiais, nos últimos anos, que mesmo o campo da tradução literária, relativamente protegido de profundas inovações tecnológicas, foi impactado pelo uso de inteligência artificial (IA). Não só o alargamento e o fortalecimento da digitalização em vários âmbitos da vida contemporânea, mas também o amadurecimento de uma geração pronta para se dedicar à atividade nesses novos termos parecem ter abalado definitivamente o equilíbrio desse nicho profissional que se relaciona com um trabalho via de regra pensado como criativo, artístico ou artesanal (Spoturno, 2024). Este número especial quer reunir artigos inéditos que explorem como a IA pode transformar as práticas tradutórias e as referências teóricas dos estudos de tradução literária, ao redefinir as formas de percepção do texto traduzido e as escolhas críticas e éticas – portanto, políticas – dos profissionais envolvidos na publicação de traduções de poesia, narrativa e teatro, como tradutores e tradutoras, revisores e revisoras, editores e editoras. Por um lado, entre outras possibilidades, ferramentas computacionais tornam possível a análise linguística e estilística (Sofo, 2023) de grandes quantidades de texto em tempos cada vez menores, permitindo o refinamento da estatística textual, que pode fornecer dados para a tradução de textos literários difíceis de serem obtidos sem o auxílio da máquina. Por outro lado, a interação entre tradutores humanos e ferramentas de IA abre um debate sobre a impossibilidade de preservar nuances culturais e estilísticas, tendo como consequência o apagamento da poética, que é o discurso e sua historicidade, de qualquer obra artística (Meschonnic, 2010). Um dos principais problemas, na tradução auxiliada por IA, é o que foi revelado em estudos sobre a pós-edição de traduções automáticas, os quais demostraram a prática do chamado “viés de ancoragem”, que ocorre quando os tradutores tendem a basear suas decisões ou avaliações em uma informação inicial fornecida pela máquina (uma “âncora”), mesmo que ela seja irrelevante (ATLF; ATLAS, 2023). Nesse contexto, o trabalho de pós-edição requer um conhecimento que supere o da própria máquina: se a máquina se tornar cada vez melhor em traduzir tudo o que é “traduzível”, o tradutor digno desse nome sempre terá a tarefa fundamental de traduzir o que não está escrito ou traduzir o intraduzível para adaptá-lo à cultura e à sensibilidade do público-alvo (Rediger, 2022). Consequentemente, para além da profissão e da prática tradutória, é importante questionar o papel dos estudos críticos da tradução literária, que podem permanecer como estudos históricos e culturais com fronteiras bem definidas, e de menor importância, ou ser reafirmados ao proporem traduções artísticas a partir, por exemplo, de retraduções dos clássicos, traduções de poesia e para o palco (pensemos, como exemplos, na transcriação de Haroldo de Campos e na Tradução-Exu de Guilherme Gontijo Flores e André Capilé), ou traduções engajadas a partir de uma tomada de posição crítica e política em relação não apenas ao texto literário, mas também à realidade (como na tradução corsciente de Feibriss Casillhas [2019], expressão inspirada no termo color conscient de Traci Ellis). Para essas finalidades, uma tradução automática poderia ser dispensável ou constituir a porta de entrada para uma pós-edição mais criativa ou consciente. Este número convida estudiosos e praticantes da tradução literária a refletirem sobre esses aspectos e a discutirem a relação entre a criatividade humana e as capacidades tecnológicas emergentes, sendo as colocações acima apenas algumas inspirações para possíveis perspectivas de leituras e pesquisas.
Referências
ATLF; ATLAS. IA et traduction littéraire : les traductrices et traducteurs exigent la transparence. Atlas : association pour la promotion de la traduction littéraire, 2023. Disponível em: https://www.atlas-citl.org/wp-content/uploads/2023/03/Tribune-ATLAS-ATLF-3.pdf. Acesso em: 18 dez. 2024.
CASSILHAS, Feibriss Henrique Meneghelli. Tradução de histórias do Sul da Nigéria: por uma corsciência da tradução-contação na voz de uma bixa preta transviada no Brasil. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.
MESCHONNIC, Henri. Poética do traduzir. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Perspectiva, 2010.
RIEDIGER, Helmut. Traduzione letteraria e intelligenza artificiale:
minaccia o occasione? 2022, Fabbrica dei Classici – Atti. Disponível em https://www.academia.edu/93104367/Traduzione_letteraria_e_intelligenza_artificiale_minaccia_o_occasione, acesso em 18/12/2024.
SOFO, Giuseppe. La traduction à l’ère numérique : Histoire, évolution et perspectives de la rencontre entre la traduction et l’intelligence artificielle. In: FROELIGER, Nicolas; LARSONNEUR, Claire; SOFO, Giuseppe (Eds.). Human Translation and Natural Language Processing: Towards a New Consensus? Venezia: Ca'Foscari, 2023. p. 17-32. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-7968.2024.e100602. Acesso em: 17 dez. 2024.
SPOTURNO, María Laura. Traducción literaria e inteligencia artificial: consideraciones para la formación universitaria. Cadernos de Tradução, v. 44, n. 1, p. 1–26, 2024. DOI: 10.5007/2175-7968.2024.e100602. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/100602. Acesso em: 19 dez. 2024.
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