Editorial: Ensino e prática da tradução: o papel das novas tecnologias

Autores

  • Carolina Barcellos Universidade de Brasília

DOI:

https://doi.org/10.17851/1983-3652.11.1.i-iii

Resumo

Os últimos anos viram um aumento exponencial na quantidade de ferramentas e softwares auxiliares à tradução disponíveis no mercado. Essas ferramentas são produzidas tanto pelo setor privado quanto por grupos de pesquisa dentro das universidades públicas, podendo ainda estar direcionadas à prática ou ao ensino da tradução. E, embora seja verdade que o interesse em comunicar-se com outras culturais não é novo, a velocidade com que isso é feito se tornou um fator decisivo. O mundo globalizado pela internet e a sofisticação tecnológica do século XXI permitiram que a tradução automática passasse a utilizar redes neurais para “ensinar” máquinas a traduzir cada vez melhor. Isso está, hoje, na base de uma nova geração de ferramentas e softwares para a tradução em seus mais variados contextos.

A localização, por exemplo, se aprimorou a ponto de criar uma fase intermediária chamada internacionalização, etapa em que é desenvolvida uma versão “genérica” de um produto de forma que se possa adaptá-lo facilmente a diferentes línguas e culturas ao mesmo tempo. O trabalho de dubladores e legendistas se ampliou para incluir a acessibilidade, tornando tanto a audiodescrição como a legendagem para surdos possíveis. A propagação veloz de informações on-line reacendeu discussões sobre qualidade e ética na tradução, gerando ferramentas capazes de identificar plágio. A tradução de best-sellers e manuais industriais em pouquíssimo tempo multiplicou o uso de memórias de tradução. As pesquisas concentradas no trabalho dos intérpretes e no processo tradutório, por sua vez, se beneficiaram de uma gama diversa de ferramentas associando-se com a medicina e a psicologia para obterem resultados mais precisos. A identificação de padrões de escolha e hábitos linguísticos passou a contar com programas de base estatística para a análise de quantidades de dados na ordem de bilhões de palavras.

Para a tradução, muitas são as oportunidades e muitos também são os obstáculos. O acesso a tecnologias sofisticadas e recém-lançadas têm um custo nem sempre acessível aos departamentos de ensino da tradução no Brasil. Há impasses específicos entre o meio acadêmico e o mercado como, por exemplo, questões de direitos autorais envolvendo livros, programas e jogos que precisam ser debatidos. É verdade que há muitos esforços sendo feitos no desenvolvimento de softwares livres e ferramentas gratuitas, normalmente disponibilizadas on-line. Para ampliar esse debate, esta revista busca lançar luz em questões específicas da interface entre tradução e tecnologia.

A primeira seção desta revista chama-se Linguística e Tecnologia. O primeiro trabalho apresentado nessa seção é O uso da Lista de Consistência Detalhada (Detailed Consistency List) do WordSmith Tools© 6.0 para investigação do perfil estilístico de quatro tradutores de Heart of Darkness para o espanhol, de Mayelli Caldas Castro. Nessa pesquisa, a autora mostra como dados quantitativos gerados a partir de um corpus paralelo podem identificar padrões linguísticos e indicar caminhos metodológicos mais adequados. Em Chope dos Mortos – a tradução de jogos de palavras em um estudo direcionado pelo corpus, Nilson Roberto Barros da Silva se vale da abordagem teórico-metodológica da Linguística de Corpus para identificar jogos de palavras e discutir estratégias de tradução no par linguístico português-inglês. Encerrando essa seção, em Uma proposta de objeto de aprendizagem para futuros tradutores: a modalização em resumos científicos em português, espanhol e francês, as autoras Sandra Dias Loguercio, Mauren Thiemy Ito Cereser e Cleci Regina Bevilacqua voltam sua atenção à linguagem empregada em resumos científicos analisando o uso de modalizadores, com o auxílio de corpora comparáveis.

A segunda seção desta revista é Semiótica e Tecnologia. O primeiro trabalho dessa seção é Legendagem: uma atividade na aula de japonês, de Kyoko Sekino e Sueleni Vitória Rodrigues Takahashi. As autoras descrevem um exercício de ensino de legendagem no par linguístico japonês-português de cinco etapas, tomando como base teórica a Teoria da Relevância. Em Multimodality and evaluation of machine translation: a proposal for investigating intersemiotic mismatches generated by the use of machine translation in multimodal documents, Thiago Blanch Pires considera o aparato teórico-metodológico dos estudos de multimodalidade a fim de analisar relações semânticas entre texto e imagem resultantes de traduções automáticas.

A terceira seção da revista é Ensino Superior e Tecnologia. O primeiro trabalho dessa seção, Teaching video game translation: first steps, systems and hands-on experience, das autoras Marileide Dias Esqueda e Érika Nogueira de Andrade Stupiello, contribui com a formação de tradutores para a localização de jogos em nível de graduação. Em Investigando adjetivos atributivos em traduções publicadas, em um sistema de tradução automática e na pós-edição monolíngue: contribuições para a pedagogia da tradução, Norma Fonseca analisa a tradução de adjetivos atributivos em três etapas, sendo a última uma atividade com estudantes de uma disciplina de prática de tradução.

A quarta seção, intitulada Entrevistas, são apresentadas entrevistas com dois profissionais que trabalham em subáreas bem distintas da tradução. A primeira entrevista, realizada por Janailton Mick Vitor da Silva e Alessandra Ramos de Oliveira Harden com a legendista Melina Agresta, traz contribuições sobre o mercado de legendagem no Brasil e a experiência de Melina com clientes como Netflix e HBO. A segunda entrevista, realizada por mim, coloca em foco o premiado tradutor Rogério Bettoni. O tradutor compartilha, nessa entrevista, sua vasta experiência com as principais editoras brasileiras e fala também sobre recursos eletrônicos disponíveis para os tradutores literários.

A última seção traz a tradução de um artigo publicado originalmente em inglês, no ano passado, pelos professores Stephen Crabbe (Universidade de Portsmouth, Reino Unido) e David Heath (Universidade de Kanto Gakuin, Japão) por meio da plataforma on-line do International Journal of English Language & Translation Studies, de acesso livre. O artigo, Elaboração de um glossário de tradução utilizando software livre: um estudo de viabilidade a partir de textos-fonte em japonês, explora as possibilidades da extração automática de terminologia para a tradução mesmo ao se trabalhar com idiomas de famílias (e formas de escrita) essencialmente diferentes.

Essa edição da Revista Texto Livre foi especialmente preparada para dar destaque à interface entre tradução e tecnologia e, nesse sentido, fornece um panorama variado dos trabalhos atualmente produzidos no nosso país. Sem dúvida, esse conjunto de trabalhos é uma contribuição à disseminação de conhecimento e um incentivo a novos (e necessários!) pesquisadores interessados em testar os limites dessa interface.

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Biografia do Autor

Carolina Barcellos, Universidade de Brasília

Professora adjunta do Departamento de Letras Estrangeiras e Tradução, Instituto de Letras, da Universidade de Brasília. Doutora e mestre em Estudos Linguísticos, linha dos Estudos da Tradução, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Pelotas. Interesses de pesquisa compreendem os Estudos da Tradução baseados em Corpus, especificamente em sua interface com os estudos de estilística, tradução literária e teoria da avaliatividade.

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Publicado

30-06-2018

Como Citar

BARCELLOS, C. Editorial: Ensino e prática da tradução: o papel das novas tecnologias. Texto Livre, Belo Horizonte-MG, v. 11, n. 1, p. i-iii, 2018. DOI: 10.17851/1983-3652.11.1.i-iii. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16777. Acesso em: 28 mar. 2024.