v. 26 n. 2 (2020): O tempo e a forma: literatura e experiência histórica

O dossiê O tempo e a forma: literatura e experiência histórica é contemporâneo de uma época de particular turbulência. Foi costurado no transcorrer do acirramento da crise política brasileira e na emergência da maior crise sanitária desde a gripe espanhola. No dia de hoje, 19/01/2021, o Brasil conta 210299 mortos. Brasileiros que tiveram sua estadia na terra abreviada em razão de uma tragédia, uma tragédia? A tragédia é um gênero que tem o destino enquanto elemento estruturante, o herói trágico é o personagem que corre contra ele e o encontra em cada esquina. Não penso que a vida desses mais de duzentos mil brasileiros mortos estava nas mãos do destino.
Somos o país com a segunda maior mortandade em decorrência do vírus Covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos da América. A Universidade brasileira, uma das grandes construções do nosso povo, comunicou repetidamente acerca do imperativo do isolamento social, da ineficácia de medicamentos como a cloroquina. A ciência não recebeu escuta por parte do governo federal chefiado pelo presidente Jair Bolsonaro. Somos o segundo país do mundo com o maior número de mortos em razão do vírus Covid-19.
A literatura parece algo menor quando colocada frente ao presente. O país empobrece, a saúde naufraga e os arroubos autoritários multiplicam-se como erva daninha. Em um contexto de infinita necessidade do básico: alimento, segurança, um futuro... o texto literário ganha feições de algo supérfluo, mas não é.
A aposta em um país democrático, capaz de assegurar a participação de todos os brasileiros tanto nos órgãos decisórios do Estado quanto na socialização da riqueza do país, tem a cultura como ponta de lança. Fora dessa liga sensível que nos enreda atráves dos sambas, romances, peças de teatro, duelos de mc e bailes funk não há país algum. É na constante reinvenção da língua literária que é o português brasileiro que vamos encontrar uma linguagem capaz de produzir um futuro que destoe do presente.