v. 3 n. 5 (2009): Crimes, pecados e monstruosidades no arquivo da tradição judaica

Detalhe de "Carpinteiro", de Vlad Eugen Poenaru.

Apresentação

Lyslei Nascimento (Universidade Federal de Minas Gerais)

Desde a Bíblia, literal ou simbolicamente, histórias de crimes, pecados e monstruosidades permeiam não só a tradição judaica, mas também de toda a humanidade. Essas histórias surgem com o homem e os acompanham através dos tempos como uma força sinistra. Porém, em meio a essas histórias, produziram-se leis, tratados, literatura e arte que, em contraponto, elaboraram o mal neles contido, dando-lhes um desdobramento crítico ou artístico. Do Éden ao divã, esses relatos povoam nossa imaginação e constituem mitos fundacionais não só religiosos, mas, principalmente, criadores de livros, filmes e músicas que se beneficiaram, sobremaneira, do que o crime, o pecado e a monstruosidade puderam, e podem, produzir de medo, horror e glória. No contexto da tradição judaica, que não é só bíblica ou talmúdica, originou-se um imaginário em que situações-limite transformam crimes em pecados, e estes em monstruosidades. No cadinho do artista, do escritor, do psicanalista ou do religioso, interpretações, outras narrativas, são pungentemente delineadas.  A queda do homem e suas consequências; o assassinato de Abel por Caim e a fundação da primeira cidade; a inveja, a escravidão e o incesto; toda sorte de crimes sexuais e barbáries tiveram, na Escritura, o estatuto de pecado. Este, por sua vez, adquiriu de forma extravagante, em muitas ocasiões, conotações de monstruosidades. O assassinato das crianças pelo enlouquecido faraó do Egito ou a premeditação e a cegueira de Davi, em suas ações, diante do desejo por Betsabá são exemplares dessa interrelação entre crime, pecado e monstruosidade. Profetas, reis, salmistas, e, mais tarde, escritores e artistas, conceberam relatos cheios de paixão, ódio, amor e, por que não dizer, humanidade. Poemas de dor, romances de paixão, filmes de horror e medo fazem retumbar, em nossas consciências, muito do que foi cunhado a partir dessas narrativas fundacionais. Evidentemente, não é só a Bíblia e o Talmude que dão suporte à tradição judaica. Neste número, a Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG apresenta leituras críticas do teatro ídish, dos monstros judaicos de Borges, da figura do Diabo no contexto da Patrística e outros excelentes artigos que perfazem uma concepção viva, contemporânea, da tradição judaica, apontando, sempre, para sua constante reescritura. 

Dedicatória 

Este número da Arquivo Maaravi é dedicado a Boris Schanaiderman, o mais ilustre tradutor e intérprete da literatura russa no Brasil. Professor, ensaísta e escritor que traduziu Dostoievski, Tchekhov, Tolstoi, Gorki, Pushkin, Maiakovski, entre tantos escritores fundamentais para a língua portuguesa nasceu em Úman, na Ucrânia, em 1917, e depois foi, com a família residir em Odessa, onde presenciou as filmagens da clássica cena da escadaria, do filme O encouraçado Potemkim, de Eisenstein. Aos oito anos veio com os pais para o Brasil e, em 1941, naturalizou-se brasileiro. Lutou na Segunda Guerra Mundial, na Força Expedicionária Brasileira, FEB, experiência que ele relata, ficcionalmente, no romanceGuerra em surdina, de 1964. Schanaiderman começou a traduzir autores russos em 1944 e a colaborar na imprensa brasileira a partir de 1957. Agrônomo e, apesar de não ter estudado Letras, foi escolhido para iniciar o curso de Língua e Literatura Russa da Universidade de São Paulo, em 1960. Devido ao modo como a cultura russa era vista no período da ditadura militar no Brasil, e a suas posições frente à repressão, além de ter passaporte soviético, foi preso em sala de aula. Escreveu importantes ensaios como Dostoiévski prosa poesia(Perspectiva, 1982) e Turbilhão e semente: ensaios sobre Dostoiévski e Bakhtin (Livraria Duas Cidades, 1983). Recebeu o prêmio Jabuti pela tradução da obra de Pushkin A dama de espadas(Editora 34, 1999), que realizou em parceria com Nelson Ascher. Em 2007, foi agraciado pelo governo da Rússia com a Medalha Pushkin, em reconhecimento por sua contribuição na divulgação da cultura russa no exterior.

Publicado: 2009-10-30

Apresentação

Arte

  • O grande peixe

    Airton Alonso
    1
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.1
  • Os anjos

    Ana Beatriz Linardi
    2
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.2
  • Carpinteiro

    Vlad Eugen Poenaru
    3
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.3

Artigo-Dossiê

  • As duas anãs

    Berta Waldman
    4-9
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.4-9
  • A versão de Eva: perspectiva, narrativa e interpretação em A vida de Adão e Eva

    Cesar Motta Rios
    10-21
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.10-21
  • El ídish en el teatro argentino

    David William Foster
    22-28
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.22-28
  • O grande peixe: monstruosidade e punição no Livro de Jonas e em A estranha nação de Rafael Mendes

    Glauber Pereira Quintão
    29-43
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.29-43
  • O diabo em Antônio José da Silva, o Judeu

    Kênia Maria de Almeida Pereira
    44-50
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.44-50
  • A propaganda do crime em filmes policiais nazistas

    Luiz Nazario
    51-72
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.51-72
  • Behemoth, Lilith e Anjos: três monstros judaicos em Jorge Luis Borges

    Marcos Fábio de Faria
    73-84
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.73-84
  • Barbárie no mundo civilizado: o terrorismo

    Renato Pfeffer, Gabriella Grossi Daher, Lara Ferreira da Cunha Fonseca
    85-94
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.85-94
  • O Hocausto nas artes: os limites da representação

    Reuven Faingold
    95-103
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.95-103
  • Adversus tolerancia

    Ricardo Forster
    104-109
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.104-109
  • Deicida e aliado do demônio: o judeu na Patrística

    Sergio Alberto Feldman
    110-122
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.110-122

Conto

  • Alma gemela

    Heloísa Pait
    123-124
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.123-124
  • Mínimos monstros

    Vívien Gonzaga e Silva
    128-131
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.128-131
  • Kivke, o ladrão

    Iossef Opatoschu
    125-127
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.125-127
  • Un beso de Dios

    Jacobo Sefamí
    132-136
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.132-136

Dedicatória

Entrevista

  • De Odessa a São Paulo: uma vida traduzida

    Saul Kirschbaum
    137-142
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.137-142

Fotografia

  • Uma árvore é como um homem

    Lesle Nascimento
    143
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.143
  • Uma árvore, uma cidade

    Lesle Nascimento
    144
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.144

Poema

  • Daienu

    Tilah Amarante Cohen
    145
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.145
  • Kidush

    Tilah Amarante Cohen
    146
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.146

Resenha

  • Crime contra a humanidade: genocídio e eliminacionismo

    Julio Jeha
    150-152
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.150-152
  • Kafka: de menino triste a conhecedor do mundo

    Claudia Maia
    147-149
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.147-149
  • Duas almas demasiadas: de chaves e de estrelas em Primo Levi

    Luciara Lourdes Silva de Assis
    153-155
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.153-155
  • Desmundo, de Ana Miranda: uma história do medo no Brasil

    Maria Isabel de Matos Andrade
    156-159
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.156-159
  • Diálogos com a civilização: entre amigos com Philip Roth

    Rodrigo Gurgel
    160-163
    DOI: https://doi.org/10.17851/1982-3053.3.5.160-163