Editorial
DOI:
https://doi.org/10.17851/1983-3652.10.1.i-iiiKeywords:
Linguagem, Tecnologia, Educação, Semiótica, Sistemas de InformaçãoAbstract
A revista Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, neste primeiro número, lançado no outono brasileiro de 2017, traz artigos que transitam no campo interdisciplinar da tecnologia, da linguística e da educação, campo este não só atual, como também bastante polêmico. Não se pode falar com profundidade em tecnologia na educação ou no texto como elo linguístico mediado por artefatos tecnológicos sem que isso passe por delicados meandros da discussão epistemológica das teorias que aplicamos em nossos debates. Trata-se, no entanto, de uma discussão cuja complexidade facilmente distancia sua realização das práticas que, dela, deveriam alimentar-se.
É nesse sentido que vejo este número da revista Texto Livre como um momento especial, no qual apresentamos tanto a discussão de diferentes práticas educacionais com o uso de tecnologia e diferentes análises textuais de produções mediadas pelo computador, quanto a discussão teórico epistemológica de pelo menos uma dessas abordagens.
A interdisciplinaridade, e já tive a oportunidade de comentar o assunto em texto publicado aqui, há alguns anos, requer esse cuidado com a teoria, pois diferentes abordagens usam termos idênticos com significados muitas vezes totalmente diversos. O cientista inter e transdisciplinar – e não vejo outro caminho para a ciência como um todo – deve saber transitar não só entre objetos e métodos, mas também entre teorias.
Assim, o primeiro artigo do número, “Quelles pratiques sémiotiques pour quelles médiations?”, de Anne Hénault, aborda uma questão essencial para a semiótica de afiliação francesa, questão essa sempre retomada quando se pretende abarcar tanto o contínuo quanto o descontínuo numa análise semiótica: a relação entre a semiótica dita estrutural, herdeira da semântica estrutural de Greimas, e a semiótica das paixões e, consequentemente, também a tensiva, semióticas da modernidade, semióticas da continuidade por excelência. A semiose é fruto da relação entre o contínuo e o descontínuo e, dependendo do objeto a ser estudado e mesmo das teorias envolvidas numa abordagem interdisciplinar, a compreensão das diferenças e afinidades entre esses modelos semióticos é fundamental para um resultado de longo alcance.
Uma das interdisciplinariedades possíveis é a adotada pelo autor Paulo Henrique Serrano em seu artigo “Discurso opositivo e ironia na página "Humans of protesto"”, em que o discurso net-ativista é analisado a fim de observar como a argumentação utilizada na página em foco, Humans of Protest, busca atrair adeptos ao desqualificar, por meio da ironia, participantes de manifestações lideradas pelo Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua e Revoltados On Line em 2015.
Iniciando a lista de sete artigos na linha Linguagem e Tecnologia, Vinícius Vargas Vieira dos Santos, em “Práticas linguísticas em Big Data”, discute possíveis transformações conceituais da linguagem como decorrentes ou influenciadas pelo Big Data, fenômeno relativo ao imenso volume de dados tratados nos diferentes sistemas web a fim de buscar padrões e orientar ações e aplicativos para influenciar o comportamento do usuário, o que, conforme a análise aponta, coloca em xeque o eu, aqui e agora do contexto criado.
Num outro viés no que tange a dados e com base na Linguística de Corpus, Aline de Lima Benevides e Bruno Ferrari Guide trazem à luz a metodologia empregada na construção de um corpus de dados fonológicos abertos – um corpus linguístico do Português Brasileiro – que particularizam e amostram o falar brasileiro. O artigo “Corpus ABG” apresenta tanto as ferramentas computacionais especialmente desenvolvidas para o projeto quanto informações linguísticas já extraídas do corpus em questão.
Três artigos neste número tratam da relação entre linguagem e tecnologia no escopo da leitura e da escrita. No artigo “Consciência linguística no uso de estratégias de leitura na escola, em tecnologia virtual e tecnologia não virtual”, Vera Wannmacher Pereira e Thais Vargas dos Santos examinam a consciência linguística no uso de estratégias de leitura em Língua Portuguesa, língua materna (predição, leitura detalhada e scanning), atestada na experiência observada de alunos do último ano do fundamental com materiais de leitura de crônicas, contos e fábulas, em tecnologia virtual e não virtual. Já Marden Oliveira Silva, Liliane de Oliveira Neves, Valéria Netto Valente e Gláucia Maria de Moura analisam uma situação de ensino de Inglês como língua estrangeira, focalizando a produção textual em e-mail no seu artigo “A produção escrita de brasileiros aprendizes de inglês como língua estrangeira: uma análise com base no uso de input diversificados”, e questionam a abordagem segundo a qual o mesmo input diversificado teria o mesmo efeito positivo tanto sobre leitura quanto sobre a escrita. Por sua vez, no artigo “Análise da produção da escrita e do discurso do surdo no Facebook”, Franciany Chaves Waris, com foco na limitação no domínio da estrutura gramatical da Língua Portuguesa, recorrente em surdos, apresenta resultados que indicam que isso não compromete a interação do surdo na rede social Facebook, ambiente dos dados analisados.
O discurso é o foco de dois artigos, ainda na linha de Linguagem e Tecnologia. “Espaços de enunciação no Facebook e no sistema cear: constituição de sujeitos e de sentidos”, de Fernanda Surubi Fernandes, Rodrigo de Santana Silva e Valdir Silva trazem à cena novamente o Facebook, desta vez comparado com o ambiente de aprendizagem online Moodle, com foco na construção do sujeito aprendiz no uso conjunto desses dois ambientes e na metodologia empregada no estudo de caso. Também é o sujeito o foco do artigo “Gênero digital e seus propósitos comunicativos: uma análise em perfis pessoais de sites de relacionamento”, no qual Wellington Carvalho de Arêa Leão adota uma perspectiva sociorretórica de análise de gênero para compreender como a construção do perfil – o sujeito enunciado – influencia o tipo de interação em sites de relacionamento.
Seis artigos compõe a linha Educação e Tecnologia neste número da Texto Livre. A educação de surdos, dessa vez com foco no trabalho de um professor surdo no ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para nativos de LIBRAS, é o tema do artigo de Aryane Nogueira e Janaina Cabello, “Considerações sobre educação de surdos e tecnologias a partir da análise das estratégias de ensino de um professor surdo”, no qual as autoras mostram que o uso da tecnologia não resultou numa nova forma de ensino-aprendizagem, nas perspectivas interlocutiva e histórico-cultural. O mesmo resultado foi apresentado por Marta Roque Branco, em seu artigo “As tecnologias de informação e comunicação: novos suportes para o ensino de literatura”, cujo principal objetivo é que novas formas de educação advêm não das tecnologias em si, mas da forma como são utilizadas a partir de um repensar da própria educação.
Dois artigos nos trazem metodologias de ensino com uso de tecnologias digitais online. Jacqueline Lidiane de Souza Prais, Juliana Irani Villanueva dos Reis, Alessandra Dutra e Vanderley Flor da Rosa, autores do artigo “A Webquest como recurso pedagógico no curso de Pedagogia”, mostram como a Webquest, ao ser utilizada como instrumento didático, capacita o aprendiz no uso desta mesma ferramenta em seu futuro trabalho como professor. No artigo “Uma proposta de instrumento de roteirização de videoaulas à luz da teoria instrucional e da aprendizagem multimídia”, Vinicius Carvalho Pereira detalha as etapas da roteirização de videoaulas, tendo como objetivo definir diretrizes para elaboração de um instrumento de roteirização no qual a participação do professor seja ativa em todas as etapas; o caso analisado indica a necessidade da capacitação do professor no uso das tecnologias envolvidas para que tal objetivo seja alcançado.
Ana María Barrera Conrad Sackl, com seu artigo “O Popol wuj como ferramenta de ensino na era da informação”, apresenta como ferramenta didática para o ensino interdisciplinar e intercultural o Manuscrito do Popol Wuj (XIMÉNEZ, 1700), uma obra largamente utilizada nas escolas da América Latina, porém pouco aproveitada no Brasil. Finalmente, no campo dos multiletramentos, Daniel de Mello Ferraz e Isabele Vianna Nogarol retomam a discussão sobre o ensino e a aprendizagem de Língua Inglesa em seu artigo “Os multiletramentos na aprendizagem de línguas por estudantes de licenciatura em Letras-Inglês”, abordando a ludicidade de músicas online, jogos virtuais, websites e aplicativos como oportunidades de ensino aprendizagem desta língua estrangeira.
Desejo a todos, uma ótima leitura!
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