v. 28 n. 1 (2022): LITERATURA E SILÊNCIO: INVESTIGAÇÕES NO ENTORNO DO NÃO DITO
Este dossiê é um convite a pensar o silêncio como um elemento que cerca e constitui as linguagens e, consequentemente, as obras literárias. Na literatura, o silêncio pode ganhar e gerar várias figuras e desfigurações. Ele é o infinito, que se situa nas inacabáveis possibilidades do não dito, mas é também o silêncio aquilo que reside nos espaços entre as palavras, na separação dos versos e estrofes de um poema e dos parágrafos e capítulos de um texto em prosa. Tal como as pausas fazem parte da música, o silêncio é uma matéria constituinte da literatura, pois ele possibilita que se produzam relações entre as palavras. Na poesia visual, o silêncio se instala, por exemplo, nos significativos espaços em branco que se proliferam ao longo do poema-partitura “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, de Mallarmé, assim como na poesia concreta dos irmãos Campos, na ilegibilidade críptica dos texto-imagens de Ana Hatherly e em tantos outras obras.
A literatura, ainda que seja escrita com o silêncio, é muitas vezes o meio no qual se investigam e se produzem estratégias para driblar o silenciamento estrutural promovido pelas guerras, ditaduras e políticas genocidas. A literatura de testemunho, consciente do silêncio que a permeia, se põe diante do que não se pode narrar, lançando o olhar sobre o apagamento sistemático que constitui nossos repertórios. O silêncio então pode ser pensado como elemento no qual articulam-se diversos significados, seja a partir dos aspectos formais que incorporam as obras literárias, das questões sociais e políticas inscritas sob regimes de silenciamento, do apagamento presente na escrita da memória, das poéticas que se desenvolvem na contracorrente dos discursos hegemônicos ou de outros diversos aspectos que levam a literatura a recriar continuamente os limites da linguagem.



